Dez anos da Bienal do Livro de Curitiba

Primeiro, eu mandei um e-mail ao Moacyr Scliar. Naquela época, como em várias outras, eu não tinha um emprego e, por um momento, achei que poderia tentar ganhar alguma coisa com blogs. Escolhi falar a respeito de livros, o que certamente não é uma boa ideia quando se pensa em ganhar dinheiro. Seja como for, era preciso tentar. O meu blog traria entrevistas exclusivas com os escritores. Eu iria aproveitar que, nos próximos dias, iria acontecer em Curitiba a Primeira Bienal do Livro e faria uma espécie de cobertura do evento. No e-mail ao Scliar, eu ressaltei exatamente isso, “cobertura do evento”, já que, assim, a chance de que me respondessem era maior. Fiz umas perguntas que não queriam dizer muita coisa, era só para ter “a fala do escritor” com exclusividade no blog.

Pois o Scliar me respondeu, muito gentilmente, e com boas respostas. Consegui mais algumas respostas de gente não tão famosa e me animei. A Bienal ocorreria no outro lado da cidade. Quase uma hora dentro do mesmo ônibus e depois outro ônibus até o pavilhão de eventos. Scliar participou de dois encontros. O primeiro foi uma conversa em uma espécie de cantina. Suas falas eram tão envolventes quanto a sua escrita. Ao final, pedi a ele um autógrafo em uma edição velhíssima de “O exército de um homem só”, coisa que ele reparou. Não falei que eu era o cara que havia falado com ele por e-mail. Coragem nunca foi o meu forte, por isso sou tão mau jornalista. Ganhei um inusitado autógrafo para quem mal abriu a boca: “Para o Henrique, leitor culto e simpático”.

Depois do evento, vi o Scliar caminhando pelos estandes da Bienal do Livro, como se fosse qualquer um. Entrou em um específico e foi ver uns livros em francês. Nem o pessoal da livraria sabia de quem se tratava. Mais tarde, ele participou de uma mesa-redonda, ao lado do Carlos Heitor Cony. O Cony, já naquela época, era uma entidade. Usava uma bengala, mas ainda não a cadeira de rodas. Tinha aquele mau humor simpático e divertiu o público fazendo piadas com o “seu médico” Scliar, dois dos raros representantes da ala literária da Academia. Vi tudo e voltei de ônibus, chegava onze e pouco em casa.

Ia fazendo textos e postando no blog, tentava fazer uma divulgação, mas a leitura era rara. O evento havia começado no dia anterior, com Marina Silva e Leonardo Boff. Eu estive lá, mas sobre isso nada falei, não era sobre literatura. No domingo, eu não fui. Era o dia de Antonio Cicero, de Antônio Carlos Secchin e de Ivan Junqueira. Falariam de poesia e disso eu entendo pouco. Mas o Antonio Cicero deu algumas palavras ao meu pobre blog.

Na segunda, Miguel Sanches Neto participou de café e mesa redonda. A conversa no café foi ótima, até eu fiz pergunta. Falou bastante da crônica, o que me rendeu um texto de que ainda gosto, “A casa de vidro de Miguel Sanches Neto”. No outro dia teve Ruy Castro e Arnaldo Bloch falando sobre biografia. Não conhecia o Bloch, mas ele também prestou declarações a este jornalista. Era para vir o Fernando Morais também, mas não deu certo.

No meio disso tudo, aconteciam oficinas literárias. Estive na de crônica, ministrada pelo Antônio Torres. Na época, eu era um rapazote que achava que sabia mais de crônica do que ele. Lembro-me do Domingos Pellegrini entrando sem querer na sala onde acontecia a oficina e, todo sem jeito, ser cumprimentado e saudado por Torres. Pellegrini também me deu entrevista. Ele participou de uma mesa ao lado Clarah Averbuck e Carlos Herculano Lopes, nomes que me eram ainda desconhecidos. Entre os eventos, comprei um livro do Carlos Herculano.

O Carpinejar também daria uma oficina ou algo assim. Mandei e-mail a ele. Pediu-me que ligasse para ele e me deu o número. Eu tinha, portanto, o número do Carpinejar. Naquele tempo ele era menos famoso. Mas é provável que tenha achado que eu fosse o blog oficial do evento, ou algo parecido. Eu liguei, ele que não atendeu.

Também comprei um livro do João Gilberto Noll. Esse respondeu ao meu e-mail também. Nunca havia lido nada dele. O café estava cheio de gente, mas gente que fazia barulho e a atrapalhava. Bem diferente dos dias em que lá estavam o Cristóvão Tezza e, sobretudo, a Marília Pêra. É sempre mais fácil lançar livro quando se é da TV. No meio do barulho, Noll lia – não, melhor, declamava, se é que não cantava – trechos do seu livro. Bem mais numerosa e atenta foi a sua plateia na mesa redonda, ao lado do próprio Tezza e de Raimundo Carrero. Esses dois divertiam a plateia. Noll era sério, embora sorrisse com o canto da boca. Quando falava, soltava com naturalidade prosas poéticas como as que envolvem os seus livros. No fim de tudo, quando eu caminhava para pegar o ônibus, ouvi: “Gostei do segundo. Falou coisas que faz a gente pensar. João Gilberto Noll. Vou pesquisar sobre ele”. Ah, sim, tenho um autógrafo em “Harmada”. Um conteúdo bem menos expansivo do que aquele do Moacyr Scliar.

Tirando aquele domingo, eu estive em todos os outros dias no evento. Chegava de tarde, pelas três horas, saia quando já era quase dez. Andava pelos estandes de livro, mas comprei pouco e só os mais baratos. Seja como for, andava tanto por lá que já havia decorado bem onde ficava cada coisa, onde estava cada livraria, onde tinha os livros mais baratos e os que mais me interessavam. Podia muito bem viver nessa rotina por uns dois meses, anos.

O curioso é que a Bienal nunca mais se repetiu. Nunca fez jus ao seu nome, portanto. Foi uma Bienal de uma única edição. O tempo passou, vários escritores que lá estavam morreram, o próprio curador Alcione Araújo já morreu, e ninguém ainda fez outra bienal na cidade. Tenho ainda aqueles eventos bem vivos na mente. Era uma época de muita confusão para mim, mas, ainda, de alguma esperança. Mas o blog, é claro, não deu certo.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 09/09/2019
Reeditado em 09/09/2019
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