”A rua do meio” (19/11/2019)

Uma lua suspensa. Passos no corredor. Paredes que parecem se estreitar. Há cruzes nas portas. Janelas em desalinho. Varais colorindo o caminho. Falsos jardins em parapeitos. É o caos no arranjo das flores. O beco desafia a topografia de tudo que é intrincado. A fisionomia do beco é de angústia. Não há silêncio no beco, as suas entranhas falam. É no beco onde mora o grito. Beco de quebrantos, sentidos atordoados, roleta-russa, vai e vem da maldade, vez por outra um enforcamento. Ditar o beco é comê-lo. A felicidade do beco é a alucinação. O banal é o tema próprio. A "rua do meio" não é um beco qualquer, é uma cidade-gueto. Os moradores são artífices e também cúmplices... - Há no beco a vida dentro da vida. É gente sobre gente. O beco é o abrigo preferido de quem tem medo. Na "rua do meio", o que mais se faz é pedir perdão. Não há esperança para o acaso. Nada cresce no beco. No beco só há o fim. E quem desiste dele, nunca foi parte. A rebelião é interior. Também não há despedida. O beco é um abatedouro de sonhos. É o beco nas páginas policiais. "A rua do meio" não é apenas uma rua de pontas: mas uma confluência de exageros. Tudo conspira para o horror. A "rua do meio" sobrevive a sua própria condição de beco, cujas esquinas fugam para dentro de si mesmo. É o resultado da favelização de tudo que se move fora dele. O beco é um abuso. O espelho marginal de uma sociedade desnaturada. O tempo sossega no beco alimentando a rotina. E, outra vez, não há disfarces. A "rua do meio" é uma cadeia sem grades. A quem culpar? Imagino uma procissão de almas iluminando o lugar: "Bendito é o fruto do Vosso ventre..." - Ao homem, o seu beco.

Misael Nobrega
Enviado por Misael Nobrega em 28/11/2019
Reeditado em 18/12/2019
Código do texto: T6805530
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