A irmã imaginária

Eu vou te chamar de Fernanda. Fernanda lhe parece bom? Bem, talvez seja melhor outro nome. É que eu já conheço uma Fernanda, e se chamar você assim pode ser que eu dê a você a imagem dela, em vez de deixar que você tenha uma imagem única e que não se pareça com ninguém que eu conheça. E Talita, por que não usar Talita? Ah, Talita já virou um ser mítico para mim. Não sei por que, mas eu encasquetei que a filha que eu tivesse seria chamada de Talita. Bem, já está claro que eu não vou ter filha nenhuma, mas mesmo assim é a essa filha hipotética que o nome de Talita sempre me remete, e eu não gostaria que você tivesse o nome de uma filha, pois não é a imagem de uma filha que eu quero te dar. Do mesmo modo, não te chamarei de Isadora, que é o nome que criei para encarnar o ser amado ideal. Veja que eu já criei dentro de mim outras pessoas. E você não será amante e nem filha: será uma irmã.

Sim, você será a minha irmã. Tenho a eterna nostalgia da irmã não havida e você vem para suprir a minha necessidade nessa área. É irmã, não irmão, pois não posso crer na compreensão dos homens. Dirão que eu idealizo o conceito de irmã, já que a maioria das pessoas tem irmã e não acha essa beleza toda. Talvez, se eu tivesse uma irmã de verdade, ela nem fosse muito parecida comigo e nem tivéssemos um bom relacionamento. Admito que isso possa acontecer, mas não é o ideal. O ideal é que você seja desse jeito mesmo – do jeito que estou te criando.

Dirão os outros que você não existe, que é um fruto da minha imaginação. Ora, mas sabemos que toda a nossa vida é estruturada em cima de coisas que não existem. Que é o dinheiro, que é a pátria, que é o Estado, senão ficções bastante difundidas que as pessoas criaram para organizar melhor as suas vidas? E o que falar da imagem particular que cada um cria de Deus? Pode ser que exista um Deus, mas todo mundo acredita em uma imagem pessoal do que venha a ser esse Deus, uma imagem que esteja mais de acordo com o seu modo de ver o mundo. E com essa visão particular nós conversamos, e alguns até escutam o que essa visão particular tem a dizer. Que mal poderia haver, portanto, na criação de uma irmã? Se é uma ficção, é uma bastante inofensiva.

Não seria ideal criar um personagem religioso, porque eu também não quero que haja diferença de hierarquia entre nós. Você é minha irmã e tem mais ou menos a minha idade. Fomos criados na mesma casa e da mesma maneira. A partir desse repertório comum, podemos nos entender melhor do que com qualquer outra pessoa. Teremos gostos em comum e uma visão de mundo parecida, embora não igual. Quantas vezes uma pessoa real não dá importância ao que mais nos entusiasma! Você se entusiasmará comigo, mas não se limitará a concordar com o que eu disser. Vai apontar pontos interessantes que não haviam me ocorrido e vai me fazer repensar coisas que até então eu tinha como certas. E isso será feito de modo tão natural que não haverá a possibilidade de alguém se ofender. Pois iremos nos sentir bem e confortáveis inclusive quando discordarmos. Eu lhe chamarei todas as vezes que me sentir invisível e as pessoas reais não oferecerem mais do que cobranças. Então haverá aceitação e, quem sabe, até felicidade.

Dirão que é um caso para a psiquiatria. Dirão que amigo imaginário é coisa da primeira infância e persistir na vida adulta é sinal de graves problemas psíquicos. Dirão um monte de coisas, mas por mais que digam e façam não trarão nunca uma irmã de carne e osso para ficar ao meu lado. Não farão com que exista a compreensão completa entre dois seres humanos. Em suma, não aliviarão o peso da solidão.

Você se chamará Helena.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 02/01/2020
Reeditado em 02/01/2020
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