BOLÉIA

"Vinte e dois pneus cheios e um coração vazio". Já gasta, quase apagada estava a placa preta, onde as letras brancas e opacas revelavam que ali estava um homem solitário, dirigindo uma possante carreta carregada de trigo. Um anônimo. um anônimo a mais atravessando as estradas do Brasil.

Rodrigão, apelido carinhoso que os companheiros de estrada chamavam Rodrigo Luiz. Quase um metro e noventa, um pouco mais de cem quilos. Quarenta anos anos. Quarta série incompleta. Mas a bagagem completa por todos os conhecimentos acumulados no descortinar deste vasto mundão de meu Deus. Profissional desde a maioridade, tão logo adquiriu sua primeira carteira de condutor, pegou a estrada e o gosto pela estrada.

Casou, descasou, dois filhos.. casou, descasou, três filhos....oportunizando assim a solidão, em cada separação, ém cada relação desfeita, em cada partida...

Homem da estrada, morador da boléia, desafiador do perigo, desconhecedor do medo permitindo assim que a curiosidade lhe moldasse a personalidade e lhe fizesse conhecer lugares, sotaques e idiomas. Muitas vezes presenciando a morte em outras ajudando na vida.

Caminhoneiro solitário nas longas noites, mantido acordado pelo rebite e o energético. Com a cozinha a bordo, adormecia as vezes na cabine fria, agarrado apenas a garrafa vazia de aguardante e coberto pelo manto do céu estrelado.

Outras vezes fazendo parte de comboios, onde a união e a proteção mútua entre os estradeiros se manifestava. Nessas ocasiões a alegria de Rodrigão dominava o ambiente, pois com sua risada e com sua peculiar maneira positiva de ver o mundo a todos contagiava. Sim, ele era o próprio otimismo, a alegria itinerante, que atravessava estradas, vilelas e estados, e ao imiscuir-se com a peculiaridade de cada um fazia-o perder um pouco a sua própria identidade. Todo esse carisma atraia pessoas...muitas pessoas.. os mais diferentes tipos de pessoas..

Muito tempo passou.. a idade chegou .. Rodrigão não mais sentiu necessidade de encher os pneus, de trocar os pneus da carreta e de precorrer o pais. Sentiu foi a necessidade de acalmar seu coração enche-lo de amor, quem sabe, em uma praia distante....

CEIÇA
Enviado por CEIÇA em 13/01/2020
Reeditado em 14/01/2020
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