SEGUNDA FEIRA: UMA RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO!

Odeio, na segunda feira, a vadiagem que ainda persiste dentro de mim. Como se o domingo ainda não tivesse acabado. Como se o dia de ontem tivesse sido tão extraordinariamente bom, quanto a minha vontade de retê-lo. Não foi bom. Mas também não foi ruim. Foi um dia de nada. Tanto "nada" que nem escrevi nada aqui no site.

Amo, na segunda feira, a conformidade que se entrelaça com a rotina, dentro de mim. A casa que acorda com um certo vigor. O barulho do portão que se abre para a minha funcionária entrar. A ordem judicial que decretamos contra a bagunça: "Bagunça, você tem só até o meio dia para deixar este recinto." Amo as roupas lavadas no varal com cheirinho de amaciante. E o arroz com feijão - muitas vezes sem carne- acompanhado de um ovo frito, bem frito, com aquela casquinha crocante. A simplicidade gastronômica que o nosso estômago pede, para se recuperar da comilança desenfreada do domingo. Isso eu amo.

Odeio, na segunda feira, a falta do sonho. Não consigo misturar a vida com a poesia. Não consigo viver dois tempos, embora saiba que sou feita de muitos tempos, muitos sonhos e muitas vidas. Odeio na segunda feira, a angústia da conformidade. Porque a minha conformidade vem acompanhada de uma certa angústia. Não a angústia existencial, mas a “angústia material”. Aquela angústia que é palpável, que tem nome, R.G. e CPF. Angústia pelas coisas que não consigo resolver, pelas coisas que não quero me envolver, pelas atribuições que não desejo me atribuir e que, no fundo, sei que são minhas. Isso eu odeio.

A segunda feira me lembra que existem situações à minha espera, há séculos. E que talvez, elas se petrifiquem, sem que eu as toque com a minha mão mágica. Talvez, elas me acompanhem como fantasmas que se esgueiram da luz.

Amo, na segunda feira, a universalidade de todos os povos, de todas as gentes, de todas as terras, as latitudes horizontalizadas pelo destino indigente de toda a humanidade. Os ricos e os pobres, os latifundiários e os proletários, até os indigentes e os andarilhos sabem que segunda feira é dia de produzir mais: mais dinheiro, mais trabalho, mais milhas, mais paz e mais guerras. A marca da segunda feira é a produção, seja no capitalismo, no socialismo, em qualquer “ismo.”

Ninguém escapa da síndrome da segunda feira; a segunda feira é o dia em que não conseguimos nos enganar , nem mesmo com uma linguagem de poesia romântica ou de prosa comovente.

Segunda feira é dia de varrer as ruas e juntar o lixo nas esquinas.

É dia de abater os bois nos matadouros.

É dia de levantar paredes nas casas.

É dia de curar feridas nos consultórios.

É dia de verificar o extrato no banco.

É dia de levar nos lombos uma pesada carga: a carga da maldição do Éden: “ com o suor do teu rosto comerás o teu pão.”

Até que Deus foi generoso na sentença: bastava tomar um pedaço de terra – porque a terra era de todos – semear, moer o trigo, fazer o pão e comer. Simples assim. Eu comeria o meu pão e você comeria o seu. O pão sem margarina, sem presunto, sem queijo. Porque o paladar se acostuma com aquilo que você lhe oferece, e depois, exige aquilo com que você o acostumou.

Certa vez, há muitos anos atrás, recebemos a visita de um amigo de meu pai, dos tempos de antigamente. Ele veio com o neto. À hora da refeição serviu-se o homem de um bom pedaço de carne e não serviu o menino. Quando minha mãe foi fazê-lo, ele disse que o menino não comia carne. Olhando para o menino, via-se que a carne lhe entrava pelos olhos, pelo nariz e pela boca. Ele todo pedia a carne. Então, por causa da nossa insistência, o homem explicou com a lógica dos brutos: “ amanhã, eu não vou ter dinheiro para colocar carne na mesa e ele vai ficar pedindo. É melhor que ele não saiba o que é carne.”

Parece folclore, mas aconteceu. Eu juro que aconteceu. E essa argumentação, embora cruel, vem carregada de verdade: o corpo e alma se acostumam com o que você lhes oferece. Poderíamos viver de trigo, de ervas, de peixes, de caça. Mas o homem de hoje se alimenta de pão, de ervas, de peixes, de carne, de carro, de moto, de fazendas, de campos e de possessões. E nunca se sacia porque essa fome nunca acaba.

Segunda feira é esse dia.

Dia de fazer conta para ver se o dinheiro alcança comprar 3 milhas de mar aberto, só para que ninguém ouse passar por ali com um iate melhor do que o nosso.

Segunda feira é a coroa que pesa toneladas na cabeça do monarca que habita cada um de nós. Cada um de nós somos como os Reis da Inglaterra: monarcas que reinam, mas não governam.

No bem estar da nossa pequena burguesia, segunda feira é dia de ameaça.

Dia de golpear as teclas do computador com fúria ancestral.

Dia de calar as vozes dos fantasmas que habitam o nosso inconsciente coletivo.

Dia de branco e dia de negro.

Dia de trancar na gaveta a carga de sonhos adolescentes que ainda carregamos dentro de nós.

Da segunda feira com seus haveres, e deveres, nem essa que vos escreve, consegue escapar: Cesso aqui de fazer da realidade, murmuração: o dever me espera!

Mas o faço na certeza de que as catedrais dos nossos sonhos não serão jamais tombadas, serão apenas adiadas: até o próximo domingo!

E bom trabalho para todos!