Crônica da Amizade Partida

 

"Meu partido é um coração partido", vociferava Cazuza, no limbo de sua existência.

A gente investe tudo, até mais que o limite da imprudência em relacionamentos de amizade que deveriam durar para sempre, como nas fábulas infantis.

Chegamos mesmo a deixar de cultivar outros convívios latentes e pagamos por isso.

Terminamos como aqueles pobres animais puxadores de carroça, com suas viseiras que só os deixam enxergar à frente.

Ou seja, ficamos quase cegos e insensíveis às inúmeras possibilidades que a vida nos proporciona.

O problema é que este único caminho à frente pode não levar a lugar algum.

A estrada pode sumir num grande buraco, como alguns recentes e inacreditáveis engolindo carros e pessoas durante as tempestades de verão... ou pode terminar de repente no vazio.

Ficam então a incredulidade e a impotência.

Como chegamos até ali e de repente o nada?

Procuramos refletir de quem é a culpa, se nossa ou dos outros ditos amigos.

Estes, por sinal também humanos, devem estar igualmente estupefatos, penso eu.

Ou talvez não. Talvez apenas mais uma ridícula pretensão minha...

Mas, uma vez sepultados os momentos passionais, à luz da razão, percebo não haver culpados.

Há sim seres imaturos e intolerantes, que se pensam capazes de altruísmo e amizade eterna, mas em verdade narcisos e ensimesmados.

Todos ouvimos que amigos verdadeiros se contam nos dedos.

Mas lembremo-nos que temos dez dedos e a quatro mãos pelo menos vinte.

A lição que fica é que não devemos nos restringir.

Vamos deixar nosso radar ainda ligado à procura de humanidades concretas, mas devidamente vacinado, ante às vicissitudes mundanas.

E quanto à "amizade", parodiando Vinícius: "que seja infinita enquanto dure"...