MEU APELIDO

Ao longo da vida, me qualificaram de diversas formas. Daquela mais carinhosa e infantil, até aquele jeito pejorativo-depreciativo do adulto que insiste em sentir o gosto amargo da dor do outro. Em muitos casos os apelidos carregam boa parte de preconceitos. Mas aí já é uma coisa que denota o próprio recalque, estupidez, frustração, ou algo equivalente, do indivíduo que se expressa jocosamente deixando entrever sua própria mesquinhez . Mas a verdade é conhecida e a fórmula eficaz; apelido só pega se o apelidado sair do sério, enquanto não, perde se a "graça".

Meus amigos de infância chamavam me de Sian, apelido que veio de dentro da Base Aérea Naval que fica na Cidade de São Pedro, Região dos Lagos. Algum marinheiro percebeu a minha atração por este hangar e apelidou me de forma amistosa. Até hoje alguns dos meus amigos me chamam desta forma, lembrando me daquilo que o tempo insiste em querer apagar: as memórias da velha infância.

lembro me que na adolescência, uma professora foi a culpada de colocar outro apelido em mim. Era a "Dona Creusa" professora de Português, que me chamava de "bombom". Talvez pela minha cor, ou por eu ser dócil com ela em meio as ríspidas abordagem dos outros adolescentes. Talvez pelo perfume que eu usava... confesso não saber, mas gostava. Claro, a maioria daqueles que me chamavam de "bombom", eram meninas, o que elevava o meu espírito e maximizava a minha moral entre os meninos.

Outro apelido era "foguete". Este eu tenho a nítida noção do motivo. Eu era muito rápido e ganhava a todos na corrida. Um amigo da igreja um pouco mais velho colocou me este apelido, pois apesar dele também ser muito ligeiro, não conseguia me acompanhar nas brincadeiras de corrida. Cleber, o seu nome.

O tempo passou e os apelidos foram acompanhando a minha História. Aliás, os apelidos, em sua grande parte, trazem consigo sempre uma história, um fato, um momento. Na Bíblia, um Grande Profeta, caiu na armadilha dos apelidos. Seu nome, Eliseu. Alguns adolescentes perceberam que ele ficava irritado ao ser chamado de "careca". Claro que o apelido pegou. Até que um dia o Profeta, irado, pediu a morte dos meninos que caçoavam dele. Uma ursa comeu a todos, depois das palavras iradas do "Homem de Deus. (Histórias do Velho Testamento) Maria Madalena ficou conhecida não por seu primeiro nome. As Marias eram muitas em Israel, lembraram dela devido à cidade de onde veio: Magdala. Maria de Madalena. Anos depois, deram outra alcunha a ela, ou seja, era a “Maria de quem o Senhor havia expulsado sete demônios”. Maria, a possuída. Triste forma de lembrar uma mulher tão formidável. Havia também um tal Simão, o leproso. Imagina naquele contexto social, ser chamado, conhecido e reconhecido por ser leproso! Já fui chamado de "macumbeiro", neguinho e até de gay. Agora o que mais me chamou a atenção foi quando me chamaram de herege. E aqui, faço minhas as palavras do Pastor Ricardo Gondim, visto a carapuça. Sou heterodoxo, sim. Admito, coloquei um pé fora da margem estabelecida pelo literalismo. Não gosto de teologia sistemática. Não sou um paulino de raiz. Não consigo absorver as lógicas internas do calvinismo. Não trato crianças, filhas de muçulmanos, hindus e umbandistas, como nascidas sob a ira de Deus. Abandonei as premissas teístas que falam de Deus como magnífico tapeceiro a compor uma linda peça do lado de lá, enquanto nós nos contentamos com seus mistérios do lado de cá. Não acredito em um Deus que lança as suas amadas criaturas em um local de eterno sofrimento por ter feito sexo antes do casamento. Tenho seríssimas dificuldades em acreditar no céu de ruas de ouro, imagina acreditar no inferno de fogo e enxofre e dores eternas! Sou deísta. Não consigo entender o "Deus Pessoal" que assistiu ao sofrimento dos negros escravizados por 300 anos e nada fez para mudar. Não entendo o motivo da mão poderosa dele ter ficado paralisada durante o holocausto. Não vejo onipresença divina no estupro de uma menina de tres anos por aquele que deveria ser seu pai. Não entendo e penso que nunca entenderei.

Moisés, o herege? Sim, sem problemas. Estou na companhia de Lutero, Wesley, Bonhoeffer, Martin Luther King, Helder Câmara, Desmond Tutu, Rubem Alves. Leonardo Boff, Caio Fábio e outros. Não me incomodo em partilhar a mesma sina. Só não quero o inferno dos falastrões que arrotam moralismo. Peço nunca precisar apertar a mão de charlatões de curas, milagres e prosperidade. Desejo não ter o nome na lista dos convidados para o culto promovido por um governo ou por alguém nazifascista.

Fico com o título herético; já disse: não tem problema. Condenado ao inferno pela religiosidade.

Professor Moisés

filoliveira
Enviado por filoliveira em 27/03/2020
Reeditado em 27/03/2020
Código do texto: T6898480
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