O Ventre.

Um dia ele chegou cabisbaixo, sério... Os olhos, marejados de ternura e medo, revelavam que algo havia acontecido. Mas ela sabia respeitar os seus silêncios. Sabia dos seus silêncios de capricorniano, da sua busca por respostas dentro de si... e depois da busca que ele faria pelo seu colo. Esperou, então, que a iniciativa viesse. Mas hoje, não sabia por quê, ele estava estranho.

Olhou com estranheza aqueles olhos camaleões. Sentiu que eles ficariam verdes, talvez ocre, talvez fechados; pra não encarar suas duas bolotas negras e incisivas. Sentiu que excepcionalmente hoje devia deixar o silêncio prevalescer, até que ele fosse quebrado pelo homem. Mas o silêncio era evidente. E ela sabia reconhecer a hora de calar, sobretudo a hora de olhar em silêncio.

Esperou ele se achegar, pedir colo. Ele estava sério, seríssimo. Aconteceu alguma coisa? Silêncio... Não... Talvez... Quem sabe? Ele... Ele sabe...Mas preferiu guardar com as suas chaves secretas da alma... e assim ficaram.

Olhos, olhares. Deitou sua cabeça no meu colo, com certa insanidade; como se quisesse bem mais que colo... ele queria um útero. Queria, insistentemente, fazer parte de um ventre - quente, acolhedor e seguro. Segurei a sua mão suavemente, como se não soubesse os seus desejos mais íntimos de gente, que vão além do homem de barbas e corpos e barriga de homem que ali estava...

Sentiu o gelar das vértebras se recostando na parede fria. Sentiu a pele quente, o sorriso morno e o gritante silêncio que se fazia entre eles, como se houvesse um nó entre as palavras vãs. Queria estar só, perto dela. Queria que ela entendesse. Ela entendia.

Havia algo errado. Cabisbaixo demais, angustiante, até. Não era um silêncio comum, nem uma crise entre eles. Era um problema: indecifrável, uma chaga perdida no meio do ventre semi-aberto, pra que ele se aconchegasse, medroso. Mas ele não podia. E sabia que não podia.

Quando um homem habita um ventre feminino, um mundo inteiro de possibilidades se abre. É quando um homem nem sabe ainda que será um homem... Quando um homem se percebe homem mais feto que todos os fetos ainda não nascidos, mas muito desejados, é um homem-menino... E dentro do medo mais profundo - um ventre... E uma mulher, com o jeito santo e a alma endiabrada... capaz de gerar a vida e o inferno na vida de um ser totalmente frágil.... Ela é dona do ventre. E ela era ela... A dona.

E começou a pensar nas possibilidades, nos custos e benefícios, nos amores, no passado e no ventre daquela wicca, que era ora a mulher da sua vida, ora era a bruxa dos seus desejos mais íntimos e insaciáveis. E pensou no ventre como menino e como homem. Na quentura, na química, na quantidade de hormônios que se vão quando dos corpos pelados se unem. E pensou que aquela mulher ali, silenciosa... certa dos seus pedaços de versos e simplicidades, sequiosa por lhe oferecer um colo, um abrigo e um pedaço de honra e carinho.. era a mulher. E estava ali. E tinha um ventre, dono da vida, da quentura, dos hormônios e dele. Ela era ela...

E deixou-se levar, pelo silêncio, pelo colo, pelo ventre, pelo mundo, pelas mãos e pela mulher; dona das bolotas negras mais profundas e do ventre. E desde então nunca mais se pertenceu, nem quis saber de se seconder em qualquer outro lugar, exceto o dono da quentura: o ventre - a vida... os nós nas palavras e nas pernas e no mundo aberto à sua volta.