DETALHES DE OUTROS TEMPOS

Em 1950 fui matriculado no primeiro ano do então Grupo Escolar Major Prado, na cidade de Jaú e lá fiquei até o quinto ano. É claro que as lembranças estão amarelando como as velhas fotos em preto e branco. De vez em quando, contudo, aparecem imagens que julgava esquecidas em algum canto da memória. Explico o porquê dessas afirmações. É que, há uns dois anos, me presentearam com um disco desses modernos, com quase trezentas músicas, daqueles que a gente só vê em filmes americanos, tocados naquelas vitrolas onde se colocam moedas as obras são escolhidas de acordo com as preferências. Mas, como não possuía um aparelho que o tocasse, ele ficou esquecido num canto, junto com outras gravações menos requisitadas.

Há coisa de um mês, se tanto, um amigo emprestou um aparelho que consegue reproduzir tais discos. Assim, numa tarde friorenta, sem ter o que fazer, fiquei descobrindo as jóias que ali estavam, o que proporcinou um passeio pelas décadas de quarenta a sessenta, quando curtia parte dessas melodias nas emissoras de rádio. O trompete inconfudível de Ray Anthony relembrou os velhos discos de setenta e oito rotações. "Enamorada", com Dean Martin, trouxe de volta as imagens daquelas brincadeiras dançantes domésticas, inocentes costumes da mocidade que chegava e os sonhos que proporcionava. Isso sem falar numa sensacional "Fascinação", com direito a um solitário bandoneon que, pouco a pouco, cede lugar às cordas e metais.

Mas, lá pela centésima faixa, depois de quase uma semana de pesquisas, surgiu uma canção há muito esquecida e que me fez retornar ao Grupo Major Prado. Era "Deus salve a América" que nós, alunos do primário, cantávamos sempre no mês de abril, quando se comemorava o "dia do panamericanismo". Se não me falha a memória, a data precisa era o dia quatorze. As pacientes professoras explicavam que se tratava de uma espécie de união das três Américas em torno de um objetivo comum. Até acredito que fosse invenção de americanos. Mas a música é belíssima. Foi composta em 1918 por Irving Berlin, o mesmo gênio que nos legou "Natal branco".

No tempo do orfeão da escola, nós a interpretávamos sem qualquer acompanhamento. No disco, contudo, a voz solitária da intérprete parece entoar uma prece que, aos poucos, v ai recebendo o apoio da orquestra e de um coral feminino. Com a entrada dos metais, a melodia ganha um final apoteótico. Num determinado momento, passei a cantar junto, relembrando os tempos do primário: "Deus salve a América, terra deamor/ verdes campos, florestas/ grandes montes cobertos de flor/ berço amigo, da bonança/ da esperança o altar/ Deus salve a América/ meu céu, meu lar..."

Tudo bem, hoje a música pode até soar meio piegas, antiga mesmo. Mas trouxe de volta, por momento, "detalhes de outros tempos..."