COVIDIANA

Aquela senhora arrastava um carinho de ferro vazio na manhã de sol forte do outono. Veio até a porta do estabelecimento, tirou a máscara e perguntou se tinha álcool em gel. Tinha. E sabonete em barra? Também tem. E hidratante para as mãos? Também.

Tá bom, vou ali na Caixa ver se já saiu meu auxílio, depois passo aqui pra comprar, tá? Colocou a máscara de volta e saiu puxando o carinho de feira vazio.

O tempo passou e bem depois do almoço ela parou em frente à loja, tirou a máscara já encardida e suada e me chamou: moça, eu fui na Caixa, depois na lotérica e você acredita que nada? Falaram pra mim que é pra ver pela internet e eu não sei nada desse trem, então a mocinha, até bem parecida com você assim, viu!, me deu um conselho pra ir numa lanrauze, mas eu tenho medo disso tudo, me confundo. Sabe, até pensei em pedir ajuda pro meu neto? Mas ele é tão ocupado, tadinho... fica o dia inteiro trabalhânu no celular e no notibúqui dele, que nem fala comigo, nem no café nem no almoço nem na hora da janta. Ahhh, desculpa, viu, tô te atrapalhânu, né?... É... já vou agora pra casa, amanhã vou lá de novo. Quem sabe dá certo e então posso comprar minhas coisinhas, né?

Colocou a máscara de volta e saiu arrastando o carinho vazio pela calçada.