POR QUE NÃO PODE SER MULTICOR?

Muitos não entendem como Hitler, tão desprezível, cooptou para o nazismo a Alemanha, uma nação tão culta. Eu já me pergunto é como uma Alemanha tão culta produziu Hitler, tão bárbaro?

Claudinho Chandelli

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Que missão ingrata [e, ao mesmo tempo, arrogante] essa que a mim imponho de ousar, dessa vez, discorrer sobre assuntos que de tão complexos tornam-se quase místicos, como, pro exemplo, a relação de amor e ódio entre governantes e governados (ou líderes e liderados) ou entre opressores e oprimidos, especialmente em meio a uma pandemia que suscita debates que vão desde os mais profundos, como a possibilidade da atual ser apenas um prenúncio das próximas pandemias, até os mais especulativos, como a produção do vírus em laboratório para que o comunismo domine o mundo – e isso tudo em um ano eleitoral, cuja temática dominante, ao que se anuncia, será o embate entre ciência e dogma, objetividade e subjetividade e/ou o institucional versus o pessoal!

Quando optei por pautar esse tema na Crônica Dominical de hoje, ocorreu-me indagar sobre a (ou uma das) pretensão de E. L. James, autora de 50 Tons de Cinza: como alguém pode encontrar tantos matizes entre apenas duas cores (o preto e o branco)?

Não li a obra. Não sei exatamente o que inspirou a autora. Mas uma coisa fica evidente dentro do contexto da crônica de hoje: há no título de James uma direta referência á pluralidade ou, se não, ao menos à multiplicidade de possibilidades a partir da uni ou da biformidade. E isso me leva a uma segunda indagação (e uma angústia mais séria ainda): se é possível a partir de duas se constituir até 50 novas tonalidades (mesmo na ficção) de cores, por que no mundo da política e do social teremos que, por tempos indefinidos, vagar entre dois extremos: ou preto ou branco; ou homo ou hétero; ou esquerda ou direita; ou ciência ou dogma ou paz ou guerra...?

Por que não pode ser multicor? Porque não podemos pensar e agir pluralmente?

Quem determinou que estamos condenados a forjarmos visões, opiniões (e até ações), sempre, sempre e apenas a partir do espectro ideológico ao qual fomos apresentados e com o qual nos identificamos? Será que regredimos tanto quanto parece ou, na verdade, não evoluímos tanto quanto achamos?

Por que no momento em que apenas um dos 27 estados do Brasil (RJ), com população em torno de 17 a 18 milhões de pessoas, ultrapassa em número de mortes pela covid-19 países como a China (1 bilhão e 400 milhões de habitantes) e a Índia (1 bi e 300), e passamos dos EUA em número de profissionais de Saúde mortos pela doença, grande parte da população continua a se mostrar mais entusiasmada e interessada quanto ao lado do governante que vai se posicionar do que quanto ao que, efetivamente, poderá fazer para evitar mais mortes (desprezando, inclusive, a própria) e ajudar não o seu governante de estimação ou seu dogma político predileto, mas sua sociedade, seu povo, sua Nação?

Será tão difícil compreendermos que mortos não impulsionam economia nem discutem ideologia alguma?

“Ah, mas sempre morreu gente! Sempre houve pandemias! Sempre houve regimes autoritários e torturas!”, dizem muitos, incluindo grandes autoridades governamentais e eclesiásticas.

Diante dessa conclusão tão profunda e tão sofisticada (ou sofismática), surge mais uma indagação: e se, de fato, a maioria concluir que é assim mesmo? Que sentido fará, então, qualquer política (governamental ou não) de preservação da Saúde, da tolerância, do respeito à dignidade humana e à vida, por exemplo? Pra que, então trocar de governantes – apenas por uma questão de gosto pessoal –, já que tudo está predeterminado mesmo?!

Se o meu pensamento, minha opinião ou meu gosto – tendo qualquer embasamento ou nenhum – é mais importante e mais relevante para definir minhas atitudes diante do todo (independentemente das consequências sobre os demais), qual o sentido da palavra sociedade? Que necessidade haveria de se alimentar conceitos como altruísmo, empatia e alteridade?

Os alemães do pós-primeira guerra não pretendiam ir tão longe, apenas queriam deixar de ser um povo fraco, humilhado pelos adversários, ter um líder forte, do qual pudesse se orgulhar, e uma nação unida em torno de um só ideal: construir o Terceiro Império – e se para alcançar o seu grande desiderato tivessem que abrir de alguns costumes modernos meios ultrapassados e relativizáveis, como: separação Igreja-Estado, independências de poderes, liberdade de Imprensa e de expressão, tolerância e pluralidade de ideias, por exemplo, sem problema; esses pormenores resolver-se-iam depois. O resultado todos sabemos.

Apenas uma última consideração. Apesar de democrática e culta, a sociedade alemã da época tinha a seu favor o argumento de que não havia na história moderna precedente do que ela estava a construir. Já no nosso caso...