A MÁSCARA DA SEDUÇÃO

A MÁSCARA DA SEDUÇÃO

O dia amanheceu como outro qualquer. O sol despontou no horizonte, acompanhado por uma fina camada de orvalho que se desprendia das folhas das árvores e sublinhava no ar, um aroma de mata silvestre. É maio! Mês das flores! O período chuvoso, o qual chamamos, erroneamente, de inverno, começa a ceder para estação mais quente.

Saí de minha casa nas primeiras horas do amanhecer. Queria aproveitar a solidão das ruas desérticas, provocadas pela pandemia do Corona Vírus, e fazer minha caminhada matutina. Uma certa melancolia me acompanhava naquela manhã, quebrada apenas pelo barulho de meus passos e de uma fina camada fria de vento que tocava e acariciava minha pele, enquanto minha mente vagava por pensamentos mais distantes. E foi numa destas calçadas que avultei, vindo em minha direção, uma figura feminina. Caminhava apressadamente, como quem aproveitava o amanhecer para fazer também uma caminhada. Há poucos passos, um do outro, nossos olhos se encontraram; e durante alguns infinitos milésimos de segundos, nossas íris vasculharam, na imensidão do cosmo humano, na janela da alma, um do outro, a mais tênue das sensações. Uma mistura de emoção, fascinação, curiosidade, encanto, luz, apossou se dos meus desejos mais secretos do animalesco humano. Poderia ter olhado para seu corpo escultural, esculpido em carne e osso; ou nos seios de menina moça que aflora para vida; ou nas curvas perfeitas de uma deusa ateniense. Mas não! Preferi fitar aquele olhar acabrunhado, malicioso, intrigante, misterioso e sedutor que se deitava e quase se escondia, como num cobertor, por traz de uma máscara negra. Será que ela sorriu? Mandou-me beijos, sussurrou, fez insinuações, debochou ou apenas ignorou? Como saberei? Poderia arrancar aquela indumentária facial, mas quebraria o encanto do véu que cobre o altar da divina flor. Passamos um pelo outro, ficando apenas seu perfume no ar e que logo se dissipou numa nuvem temporal. Ainda arrisquei olhar para traz e vi de longe, as pontas do laço que unia e se apertavam, escondendo na fina camada de tecido, os mistérios de uma linda mulher.

Autor João Passos