PAPO RÁPIDO COM ALUNO DO 5º ANO SOBRE CONSTRUÇÃO DE NARRATIVA COMO ESTRATÉGIA DE PODER

Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há nada de espantoso (...). O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar (FOUCAULT, 1996, p. 10).

Claudio Chaves

kafecomleit@hotmail.com

https://aforcadaideia.blogspot.com

www.facebook.com/claudinho.chandelli

Eu – Não entendi a proposta do presidente de armar a população pra evitar uma ditadura. Isso significa que ele concorda com a estratégia dos comunistas nos anos 70, que optaram pela luta armada no enfrentamento da Ditadura Militar no Brasil?

Aluno – Qualquer coisa; menos isso. Não olvides que ele não só é favorável à tortura, mas entende que a ditadura militar deveria ter matado mais gente.

Eu – O que ele pretende, então?

Aluno – O de sempre: fortalecer a narrativa (criando na massa o consenso) de que o Brasil tem apenas um problema: os comunistas e, por conseguinte, é necessária apenas uma solução: a extinção destes, através, primeiramente, de sua criminalização pelo simples fato de serem o que são: militantes de esquerda.

Eu – Mas como é possível construir um consenso tão absurdo?!

Aluno – Calma, pequeno gafanhoto! Vamos aos fatos. Entre 2015 e 2016, o que era necessário para tudo voltar à normalidade, e o Brasil continuar crescendo e se desenvolvendo? “Cassar a presidente corrupta do PT, mesmo que não se comprovasse nenhum crime de corrupção contra ela”.

Eu – Sim. Mas a presidente foi cassada. E mais: o ex-presidente foi preso e impedido de concorrer às eleições; foi eleito o presidente que se apresentava como anticomunista, honesto e com Deus no coração, inimigo de corruptos e da corrupção; o juiz “símbolo do combate à corrupção” foi nomeado ministro; extinguiu-se os ministérios “responsáveis pela doutrinação comunista”, como o do Trabalho, das Comunicações e da Cultura; os direitos dos trabalhadores – exceto os das Forças Armadas – foram reduzidos através da reforma da Previdência; o governo foi “despetizado”, conselhos foram esvaziados, a propaganda do Governo na Globo foi transferida para suas concorrentes e para sites especializados em fake news; sindicatos de trabalhadores e a União Nacional dos Estudantes (“ambas organizações de doutrinação comunista”) foram descapitalizados; o pré-sal foi leiloado; a distância segura do Centrão foi mantida; a nação foi convocada a orar e jejuar; e até as cores adequadas de roupas para menino e menina foram “definidas”. Qual o problema agora?

Aluno – O problema é que o presidente pode ter mil e uma metas, menos combater a corrupção política sistêmica – a não ser a dos que ele considera seus inimigos. Afinal, ele passou 3 décadas como parlamentar; jamais aprovou qualquer projeto, liderou ou apoiou qualquer campanha nesse sentido, além de sempre ter sido aliado de figuras como Paulo Maluf e do próprio governo que ele, quando lhe foi conveniente, ajudou a derrubar, alegando preocupação com a corrupção.

Eu – Né que isso é verdade mesmo! E como o povo caiu nessa de “político honesto, fim da velha política, deixar o comunismo pra trás e Deus acima de todos?”

Aluno – Calma aí! Primeiro é preciso identificar qual foi esse povo que caiu no conto da nova política. Lembre que basicamente os eleitores se dividiram em 3 grupos: os que votaram no atual presidente (um pouco mais de 1/3), os que votaram no seu concorrente (um pouco mais de 1/3) e os que se abstiveram (um pouco menos de 1/3). Ou seja, esse povo que o elegeu não foi exatamente o, mas um povo específico, aquele cuja pauta [puramente ideológica] do candidato se harmonizava com a sua (implantar a Teocracia, com a substituição dos postulados constitucionais pelos axiomas bíblicos).

Eu – Mas só o voto dos religiosos foi suficiente para elegê-lo!

Aluno – Você é mesmo um garoto esperto; tem futuro! De fato, não. E aí está, mais uma vez, o poder e a eficácia da narrativa. Como o brasileiro comum, em regra, não tem interesse em entender como, de fato, funciona a Política – preocupa-se apenas em ter suas necessidades [individuais] atendidas –, não é difícil criar-se uma narrativa que agrade gregos e troianos e, assim, se consiga unir em torno da mesma causa grupos heterogêneos e até opostos, como, por exemplo, trabalhadores e patrões, lumpesinato e classe média, negros e escravistas, judeus e antissemitas e, não se surpreenda, crentes e ateus. Mágica?! Não; apenas uma narrativa bem construída: “temos um inimigo comum – a corrupção comunista –; detendo-o, todos os nossos problemas se acabam!”

Eu – Mas os “comunistas corruptos do PT” deixaram o governo em 2016, e perderam as eleições em 2018!

Aluno – Exatamente, meu garoto! E é por isso que a narrativa precisa está em constante revisão e atualização, sem, contudo, perder o seu foco: “nosso único problema é o comunismo”. Sendo assim, a despeito da saída dos comunistas do PT do governo central, a sociedade, em todos os seus setores, continua impregnada do “comunismo cultural”, capaz de dominar a mais alta corte (STF) do Poder Judiciário, o Congresso Nacional, a Imprensa, as artes e a religião, e até corromper aliados históricos do presidente, como os governadores do RJ e de SP, deputados como Joice Hasselmann e Kim Kataguiri, e até o super ministro Sérgio Moro. Assim sendo – apenas para livrar o País do comunismo do PT –, faz-se necessário algumas medidas um tanto mais estranhas à Democracia, mas perfeitamente compreensíveis, dada a grandiosa finalidade. São elas: exonerar, criminalizar e linchar nas redes sociais o, agora, ex-impoluto heroico juiz e super ministro Moro, transformar a Polícia Federal em Polícia Política e Familiar, prender governadores “inimigos”, anular a legislação ambiental, especialmente a parte que protege áreas indígenas, ocultar informações pra “evitar histerias”, decretar sigilo a informações públicas pra dificultar o acesso da imprensa comunista, “colocar a granada no bolso do inimigo”, congelando salários de servidores – exceto militares, é claro –, privatizar o Banco do Brasil, fechar micro empresas, aliar-se ao Centrão (trocando cargos e emendas parlamentares por apoio ao Governo) e continuar incentivando manifestações pró-fechamento do Congresso e do STF, pró-intervenção militar e AI-5 e, paralelamente, criminalizar (como ato terroristas) as manifestações em contrário.

Eu – Mas quase tudo isso – apesar de completamente absurdo para uma Democracia – já foi feito. No que consiste a permanência da ameaça que exige armar a população para evitar a tal iminente ditadura comunista do PT?

Aluno – Como diria James Madison (noutro contexto), “os homens não são anjos; por isso, precisamos das garantias adicionais”. No caso em lide, a única “garantia adicional” eficaz para se evitar a ditadura comunista do PT seria a intervenção militar. Mas como não houve, até o momento, nenhuma demonstração clara de interesse das Forças Armadas em tomar o poder – impondo mais um período de interrupção à Democracia no País, como, aliás, sempre foi, infelizmente, o seu feitio –, é necessário provocá-las a isso e, para tanto, nada mais eficaz do que um conflito civil armado.

Conclusão – É claro que os comunistas do PT vão tentar incutir na cabeça das pessoas que tudo isso é apenas uma narrativa construída para provocar no imaginário coletivo o convencimento do fracasso total da Democracia, restando-nos como única saída honrosa e eficaz a ditadura militar. Mas não se deixe influenciar – os comunistas do PT são um tipo de gente muito esquisita! Eles chegam a defender que a Terra é esférica, está suspensa no espaço e gira em torno do Sol. Não acreditam que vacinas são, na verdade, um plano pra exterminar pessoas e criar um raça superior; defendem que saúde é um campo de atuação da Ciência e não da superstição e, o que é mais grave – chegando a ser praticamente uma heresia – juram que nas escolas brasileiras nunca foram distribuídos milhões de kits-gay e manuais de bruxaria, além de condenarem coisas como o personalismo na gestão pública e o emprego de dogmas religiosos como parâmetros para regulações políticas numa democracia laica. Fuja deles, pequeno gafanhoto!