Nessa data querida...

Cheguei ao auditório antes do horário marcado. As poltronas vermelhas estavam todas repletas de silêncios. Desci até o palco. Havia flores. Tive vontade de ler Shakespeare, mas meu inglês é péssimo. Sófocles? Não! O momento não era trágico! Artur Azevedo? Mais provável! De repente, Pluft, já estava eu lá em cima sem a direção Clara da Senhora Machado. Aproveitei para espionar a coxia. Numa terra de sempre, aprendemos a voar sem auxílio de fadas! Os sinos, cada vez mais raros, só tocam nas igrejas. E são grandes, austeros! Nada leves, mas solenes...

Isso acontecia porque o milagre da pontualidade se operou em mim. Houve tempo para criação. A imaginação estava solta naquele dia, tanto que, sem mais nem menos ouvi uma, duas, três, não sei quantas pancadas. Eram de mulher. Os saltos batendo no chão marcavam a presença de alguém. Um jarro começou a se mover. Era uma moça que tentava tirá-lo do lugar. Resolvi ajuda-la. Quando dei por mim, estava carregando materiais para dentro. Eram presentes que receberíamos mais tarde. O mais tarde sempre vem nem que seja infinitamente mais tarde, mas tão tarde a ponto de não mais termos tempo para receber o futuro diluído no agora e acumulado no passado em processo de agigantamento eterno.

Nesse vai e vem, nesse entra e sai de gente da coxia para o palco, conheci um alguém que nunca havia visto antes mesmo sendo meu conterrâneo. Eu tomei uns pacotes da sua mão e os levei para a boca de cena. Subíamos e descíamos as escadas. Não sabíamos os nossos nomes. Não sabíamos quem éramos.

O cenário estava pronto! Agora os atores, diretores, contrarregras, sonoplastas... todos saíram para um café sem café. Foi aí que nos conhecemos e reconhecemos. Entre um pão e pedaço de torta, uma fruta para disfarçar a gula. De manhã, acordo assim com fome! De noite também. Preciso alimentar as ideias. Foi no meio das guloseimas que fomos apresentados. Mal sabia eu, estar diante de um grande e velho amigo de apenas uma hora de amizade. Agora, depois de séculos de convivência desde sempre, compartilhamos algo em comum: a paixão pela palavra. Eu estou falando do novo professor de Literatura do colégio. Apesar de uma amizade sólida de alguns meses com cara de tempos idos, não sabia do seu aniversário no dia de hoje. Pensei que fosse de setembro ou outubro. Sempre que penso bem de alguém, imagino sua estreia no cenário da Terra em abril, maio, setembro ou outubro. Professores são criaturas da meia estação. É isso! Gente que brota feliz e dá bons frutos. Renasce sempre a tempo de receber os parabéns e partilhar um pedaço de bolo conosco ainda que virtualmente e quase no dia seguinte.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 18/06/2020
Reeditado em 18/06/2020
Código do texto: T6981423
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