AS VIAGENS DE TREM – Parte 2

Nosso embarque acontecia meia hora antes da partida do trem, viajávamos em um vagão leito, nessa primeira parte da viagem.

Ouvíamos um apito, era o início da viagem! O trem movimentava-se devagar, deixando a estação para trás, voltaríamos a encontrá-la daqui a três meses.

Como viajávamos no Noturno, a primeira parte da viagem nós não percebíamos, a não ser o balanço cadenciado do vagão correndo sobre os trilhos. De vez em quando, o poema de Bandeira vinha à mente, até eu ser vencido pelo sono.

Lembro vagamente que acordávamos antes da estação de Três Rios, pois nela saíamos do vagão leito para o vagão normal; em Três Rios havia uma reorganização das composições, os vagões que seguiriam na linha para Manhuaçu mudavam de trilho. Isso durava cerca de meia hora, mas os passageiros não percebiam essas manobras, só os mais curiosos.

Nessa mudança, minha mãe encontrava alguns conhecidos, ou alguém que conhecia um parente, para nós parecia que a população de Espera Feliz estava toda naquele trem. Enquanto eles conversavam, nós aproveitávamos para ver as manobras dos trens e passear pelo vagão.

Após tanto tempo, poucas são as lembranças das viagens, mas alguns fatos ficaram marcados, além dos banquetes na hora do almoço, tinham as paradas nas estações de Tombos, Carangola e Caiana.

Tombos era a terra da vó Ica e da moça que vendia pastéis recheados com bastante queijo minas, que minha mãe comprava para nós. Carangola era a terra onde a família começou com o Capitão Antônio Carlos; conforme contava minha mãe, os filhos do capitão mudaram-se para às margens do riacho Espera Feliz, em meados do século XIX, iniciando o povoado que mais tarde abrigaria a cidade. Caiana era a última estação antes do desembarque, a partir dali nossos olhares ficavam atentos, esperando ansiosamente, a passagem pelo pontilhão, último obstáculo a ser vencido antes da chegada triunfal à estação de Espera Feliz, que um dia chamou-se Ligação, por ser um entroncamento, da estação saía o ramal para o sul do Espírito Santo.

Meu avô Josias estava em pé na estação esperando a nossa chegada, era a segunda parte da viagem, seguiríamos de charrete até a fazenda. Abraços, beijos, malas arrumadas na charrete e lá íamos nós passar três meses no paraíso.

Anos mais tarde, a ferrovia foi desativada, tiraram os trilhos, mas ainda é possível ver as marcas do caminho do trem de ferro na paisagem. Em 1999, o violonista Guinga compôs a música Noturno Leopoldina, musicando as nossas viagens e os embalos dos nossos sonhos.