Uma alegria inesperada.

Vou confessar algo para todos: nessa época histórica da pandemia assoladora da segunda década do Século XXI, eu acabei por descobrir vários agentes paralisantes e vários agentes impulsionadores. Entre os primeiros, temos as frases clichês instantâneas como a comida pronta e sem personalidade das prateleiras dos supermercados, “Fique em casa!” “Fique bem!” “Cuide-se!” Parecem mantras do isolamento social. Está sendo um período muito interessante apesar do estresse. Os valores revistos (ainda que a passos lentos). Estamos descobrindo pessoas maravilhosas que nos acompanham desde sempre e nem percebíamos. Os invisíveis são notados. Nunca se valorizou tanto um entregador ou motoboy como agora. De repente, nos lembramos de que temos pais, mães e avós. Descobrimos que eles são importantes. Nunca um “lave as mãos” pareceu tão natural e nada ofensivo. Voltamos a ser meninos precisando dos cuidados de uma inspeção de limpeza. Temos de nos livrar não apenas da cera do ouvido a anular a voz do outro ou do cascão escondendo a cor da pele. Agora temos de nos livrar da mesmice e do lugar comum, da zona de conforto. A sobrevivência está revisitada e é ela (como sempre) a catapulta nos arremessando acima das muralhas dos castelos. Precisamos continuar existindo. Nos refazer é urgente a cada momento. Esse movimento de se reinventar nos leva a viver, mesmo sob tensão e inquietação, um dia de cada vez comemorando cada vitória. As surpresas são cotidianas.

Digo a vocês passar por momentos de muito desânimo. Sinto-me ansioso e inseguro a despeito de todo acúmulo de esperança e fé. Ainda carrego a armadura da Humanidade. Ela prende tudo o que não se vê e esmaga certezas como se quebram ossos. O corpo de molusco ganha um exoesqueleto muitas vezes bonito, até nacarado. Nos colocam em cima dum móvel como troféu de conquistas náuticas! Chega-se perto de nós e se ouve o som do mar. Porém nem uma gota d’água. Mergulho fundo e me reidrato. Rompo a superfície. Caminho. Os pés na areia a cabeça no céu. Sento numa pedra e penso um pouco. A rocha é forte, suporta ondas e tempestades. Não posso desistir, mas escorrego. É quando vem a mão de um amigo e me levanta. Bebemos água de coco num brinde ao viver. Sinto-me revigorado.

Mais forte, consigo enfrentar os desafios. Os mares são sempre nunca dantes navegados para todos. Tanto para o autor do poema épico quanto para o cronista contemporâneo. Ambos lidam com a enorme massa ora azul ora preta e não sabem o que os espera no fundo, esse todo que sustenta, engole, devora e devolve vivos ou mortos às praias. Vale a pena não importa o tamanho da alma. São todas grandes e pequenas ao mesmo tempo. Depende de quem as vê, gigante ou anão. Dependendo da magia da luneta, eis a visão do bem, do mal e do bom senso. A reclusão é camoniana em pessoa aqui na terra de onde escrevo, meio romântico como o pai da moreninha e do moço loiro.

Não esperava viver as emoções pelas quais tenho passado nessa terra vizinha do lugar onde nasci. Foi uma cidade desprezada por mim e hoje meu lar. Ainda estou na primeira fase do casamento, esse período onde nos conhecemos e descobrimos a nós no cônjuge. É isso mesmo. Casei-me com a cidade. Nossa lua-de-mel está um pouco incomum. Meio com cara de bodas de ouro. Não por nossa culpa, mas por culpa de alguém. Não adianta nomear. Não há como se castigar. A justiça é imperfeita. Os inimigos são invisíveis. No meio da mesmice da relação, uma bela surpresa aconteceu: ganhei um presente inesperado e fiquei sem ação. Tenho essa característica de ficar estático diante de situações muito boas. É como se não acreditasse na realidade e precisasse de uma sacudida a fim de entender o prazer. E aconteceu na sexta-feira pela manhã quando vieram a porta do edifício onde moro e me deram um troféu. Era uma cesta com muitas delícias. Estava precisando desse carinho. A cidade me abraçou. Cidades também abraçam...

Itaboraí, 01 de julho de 2020

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 01/07/2020
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