Pensamentos à mesa

A esta mesa, há uns 15 anos, um homem sentou-se como agora me sento. E bebeu um vinho envelhecido e ruim e chorou por sua gente e comeu dois ou três bolinhos de carne e lembrou-se das injustiças. Levantou-se, pagou, foi até a calçada, atirou-se entre os carros que passavam mudamente pelo burburinho, talvez humano, das pessoas que a tudo observavam, sem pudor nem ânimo.

Como agora me encontro, não há jeito de fazer o mesmo, pois as pessoas são diferentes, as injustiças não.

Esse eco que agora me abala, empurra-me para o meio da rua, mas minhas pernas teimosas não querem repetir o ato de ninguém, nem mesmo querem que eu ande, tal qual um homem, alguém, há 15 anos, andou.

Há uns 15 anos, um homem recebia uma grande notícia, assim como eu agora recebo. Cantou, chorou até, um choro humano e longo, como quem se liberta do peso excessivo das coisas. E na leveza de suas lágrimas, foi caminhando pela rua, fugindo, tentando crer que seria diferente. Entrou por entre ruas, becos e vielas, até pegar um ônibus para nunca mais voltar.

Tentei mesmo, mentalmente, refazer o seu caminho, mas este não me pertence. Os ônibus são diferentes, não as lágrimas, ainda que eu não chore (e minta um pouco).

Os ecos estão aí, não me pertencem. No entanto, não há ineditismo algum naquilo que faço. De tudo que sei e vivo, parte disso sou eu, mas e a outra? Queria que meus pensamentos a ninguém mais tivessem pertencido, como a pele que é só minha, e os osso e os órgãos.

Faz 15 anos, talvez mais, um homem se perguntava sobre os homens, e temia que o que pensava não era só seu, como mera reprodução de algo já muito antigo, tão antes do homem, tão antes da roda, tão antes do fogo, como agora, penso, faço eu.