A CARTA NÃO FOI

Senti vontade de escrever uma carta como nos velhos tempos. Foi difícil encontrar uma papel fininho para facilitar colocar no envelope e pagar menos na postagem. A caneta utilizada foi a BIC, idêntica a usada nos tempos de escola e que produzi com ela muitas e muitas outras cartas. Sempre gostei de escrever. Fiz uma pausa para verificar a idade da caneta BIC e o Google me informou que ela data de 1950, lançada na França por Marcel Bich.

Voltando à carta. Por que escrever uma carta se temos e-mail, whatsApp, facebook,instagram ? Talvez para matar a saudade dos velhos tempos, ou mesmo para exercitar a mente, a coordenação motora e aguçar o poder de concentração me desplugando do mundo.

Para quem escrever uma carta? Sem dúvida para alguém muito especial que mereça o tempo que se gasta debruçado no papel para largar pensamentos, ideias e emoções.

O que escrever em uma carta? Na verdade não sei mesmo o que quero escrever. Olhando pela janela vejo um jardim florindo, vejo pássaros cantando, o vento balançando as folhagens, o céu azul estampado de nuvens que bailam pra lá e pra cá e vou descrevendo esse quadro com letras, lembrando o tempo de escola quando a professora colocava no quadro uma gravura para que fizéssemos uma redação.

Finda a carta sem destinatário e nem assinei embaixo, mas dobrei, pus no envelope branco. Não encontrei aqueles com bordas coloridas verde e amarelo. Também não tinha selo em casa e nem a goma arábica para colar o envelope. Assim, ela não foi lacrada e nem para o correio porque não tinha também o endereço do destinatário. E agora? O que fazer com ela? Guardei entre livros. Escondidinha está.

Valeu a pena escrevê-la. Dizem os sábios que a carta é uma produção artesanal e também uma espécie de detox tecnológico. Eu digo mais, é algo valioso por ser uma produção humana, escrita a punho, uma demonstração de afeto que deixa no papel as marcas de uma caligrafia, o perfume das mãos de quem a escreveu, é registro, é documento quando assinado e tem lacre, carimbo para simbolizar o sigilo e a segurança.

Algumas cartas são históricas como a de Pero Vaz de Caminha que é um documento registrando as suas impressões sobre a terra descoberta, o Brasil. Também são famosas as cartas de amor de Almeida Garrett para Rosa Barreira, de Napoleão Bonaparte para Josefina e de Fernando Pessoa para Ofélia Queiroz.

A carta que acabo de redigir é simples e sem resposta, mas é uma obra escrita para a posteridade. Um belo dia será encontrada solta entre os livros largados na estante.

Cabe aqui lembrar Heitor Villa Lobos quando diz: " Considero minhas obras como cartas que escrevi à posteridade, sem esperar resposta".

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 23/07/2020
Reeditado em 24/07/2020
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