Prova de Vida

De tempos em tempos, aposentados e pensionistas precisam provar que estão vivos. Sem isso, seus salários, majoriitariamente uma merreca, são suspensos.

João Batista está aposentado há mais de vinte anos e desde que a lei foi sancionada, vai todo ano a agência bancária realizar a sua prova de vida. Afirma que a lei é justa, porque protege o erário, evitando que oportunistas recebam aposentadorias indevidas. A questão é ontológica, meu amigo, me diz Batista, batendo o nó dos dedos sobre a mesa. Na realidade eu preciso provar todos os dias que estou vivo, completa. Respondo que não tinha pensando sob este ângulo, pois não tenho espírito filosófico. E emendo ser muito desgastante enfrentar a burocracia, não basta o atestado de óbito? Morreu, interrompe-se o benefício.

Entender o sentido da vida não é tão complicado quanto dizem alguns, digo ao amigo, que balança a cabeça num gesto de dúvida. Nós é que complicamos, especialmente os políticos e os que só pensam em custo-benefício; acumular patrimônio. E sabe porque complicam? Para que só eles entendam como funciona o sistema. João Batista me escuta com atenção. E responde: este sistema não mexe com os meus sentidos. A vida é o centro de minhas reflexões. Existe algo maior, muito além das mesquinharias humana. A ciência, meu caro, não derrotará o virus. Ele é mutante. É até possível ao sistema humano acabar com a fome, reduzir ou até eliminar a desigualdade, mas e a vida? De onde viemos, para onde vamos? Vale a pena viver? Ora, João!, respondo com um gesto inútil, apesar dos desatinos, dos nossos desatinos, a vida é uma dádiva, não importa se Deus existe ou não, aqui estamos e há beleza ao redor. João refuta, com seu espírito filosófico: - o que me mantém vivo são as dúvidas, para elas estou sempre à procura de respostas, como esta de Sartre: a existência precede a essência? Para Sartre, sim. Não tenho esta certeza. Estou vivo, sei, mas a minha essência pode me anteceder, porque não? Ah, meu caro João, respondo com um sorriso irônico, acho isso uma perda de tempo! Estamos vivos sim, amigo, mas agora preciso ir a agência bancária, para provar, senão, você já sabe o que pode me acontecer. Concordo, responde João com um misto de dúvida e certeza, vamos lá, dura lex sed lex...