CONTRA-POESIA

Tenho um amigo que sempre foi conta a poesia. Vivíamos o auge do Mário Quintana, ainda vivo, e ele, o poeta do Alegrete, mal das pernas financeiramente. Vivia de favores literalmente.

Argumentava, meu amigo, que toda e qualquer profissão, deveria primordialmente prover às próprias necessidades materiais. Afinal ninguém vive de vento e poesia.

Era fácil e claro de ver, que da poesia não provinha o necessário para o sustento material do nosso Mário Quintana. Talvez o café, os quindins e os cigarros, coisas que sabidamente ele apreciava demais. Além dos livros, em sendo poeta, é claro.

Carlos Drumond, Machado de Assis, para citar um poeta e um escritor, foram servidores públicos e, provavelmente, seu sustento vinha daí. O nosso Anjo Torto, era poeta, exalava poesia, e dela sobrevivia, porém não sem ajuda de outros, como é sabido. Mas é pelos poemas que ainda hoje é lembrado. – Eles passarão! Eu passarinho!

Meu amigo, que dizia não gostar de poesia, em contrassenso entendia de textos com subjetividade e profundezas. E era isso que eu argumentava com ele. Como viver sem ter a substância mais profunda nas palavras, na arte, para daí extrair a leveza, a filosofia.

Ideias a serem lapidadas, discutidas, sempre surgem a partir de uma boa conversa, uma discussão, às vezes acalorada, mas respeitosa. Assim se fortalecem grandes amizades.

Ficou um pouco confuso quando falei do meu amigo e usei verbos conjugados no pretérito?

É que ele fez a baldeação para outra dimensão há alguns anos, mas, ainda assim, continua meu amigo.

Porto Alegre, 15 de agosto de 2020.