Histórias de Alexandre

Leitores, eu faço jus ao meu nome. Sou verdadeira. Só digo a verdade, nem que eu me lasque todinha. Não enrolo, não uso meias palavras. Se não puder dizer a verdade, fico calada. Ninguém queira combinar mentira comigo que não rola. 
Claro que não foi sempre assim, quando era nova eu mentia que caía pra trás e a consciência não pesava uma pluma. Inventava que estava doente pra não ir pra escola, inventava desmaios na hora das provas mas, depois de velha, criei vergonha na cara. Conheci a doutrina de Kardec e mudei meu proceder. Inclusive, ontem, indo para casa, o motorista de aplicativo soube da minha crença e inventou que fez uma cirurgia espiritual que o deixou todo dolorido, como se os espíritos tivessem cortado o cabra por dentro. E eu só escutando porque não sou nem o cego preto Firmino, que vivia desmentindo as histórias do seu Alexandre.
O propósito da crônica é falar desse delicioso livro do Mestre Graça, li duma lapada só, tão bom que é. Alexandre é um sertanejo esguio, meio negociante, meio vaqueiro, cheio dos causos, os quais são ratificados pela sua esposa Cesária. "Não é, Cesária?" E a mulher, ocupada com seus bilros, responde que sim, inclusive inventando desfechos quando Alexandre é pego na mentira e não tem como se safar. Tem a Das Dores, afilhada rezadeira, que sempre pede mais histórias. O cego preto Firmino, que não enxerga e por isso está sempre atento aos detalhes, como o espinheiro que surgiu do nada no causo da onça do tamanho de um cavalo que Alexandre montou em pelo pensando que era uma égua fujona. Ou a cascavel de dois metros que Firmino achou grande demais, na qual Alexandre meteu a perna pensando que era uma bota. A distância da Terra para o Sol e os arreios que ora eram de prata, ora eram de ouro. A cachorra Moqueca, a guariba fumante. Dei risada demais. E me lembrei de um mentiroso vizinho à nossa casa quando eu era pequena.
O seu Chico era um velhão gordo, careca, que botava a cadeira de balanço na calçada e punha-se a mentir. Logo ajuntava-se aquela molecada em volta, boquiaberta com as histórias do seu Chico. "Ora", dizia ele, "existem ônibus espaciais que fazem linha para outros planetas, e no espaço tem as estações de gasolina, onde eles param para abastecer." E nós, pequenos, escutando e acreditando piamente. "As piramídes do Egito", dizia o seu Chico, são só uns montes de areia". Seu Chico tinha duas famílias, a esposa, na cidade dele, e a amante, na nossa cidade. E o mais curioso é que as duas se davam, de uma visitar a outra.
Histórias de Alexandre é um compêndio do folclore alagoano reunido em um só mentiroso que, ademais, fica zangado quando desconfiam da veracidade das histórias, fecha-se em copas, acende o seu cachimbo e só com muita adulação dos ouvintes ele se põe a contar mais histórias cuja veracidade é atestada por Cesária. "Foi ou não foi, Cesária?"
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 01/09/2020
Código do texto: T7051826
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.