PROFESSOR, ESTE INJUSTIÇADO
Nasci numa família de professores.Cresci entre eles. Três das minhas tias maternas eram professoras.Sou professora.E,considero esta,não uma profissão,mas,um sacerdócio.Acompanhei desde a infância a luta da minha mãe que aos 17 anos e recém formada saiu de sua cidade,Salvador e se embrenhou no interior mais inóspito naquela época,sem luz,sem água encanada ,sem notícias das ditas terras civilizadas.Em Miguel Calmon,município de Jacobina ensinou,casou e formou sua vida durante dez anos.Chegou a Delegada Escolar e ,no lombo de um cavalo percorreu os arredores,os pequenos aglomerados urbanos ,do Junco a Capim Grosso,com passagem por Várzea Nova e subindo a serra do Tombador por onde desceram os revoltosos da Coluna Prestes e os cangaceiros de Lampião;aliás,o Corisco morreu nas cercanias de Miguel Calmon quase no nosso quintal.
O Grupo Escolar Gustavo de Andrade foi minha primeira escola. D. Antonieta Reynal Rocha minha primeira professora.Lembro – me até da cartilha onde havia um pato colorido e a frase – “A pata nada”,inesquecível.E o cantochão da tabuada : -Dois e um ,três,dois e dois,quatro... E,Mariazinha,a temida palmatória vigilante entrando em ação contra os erros e distrações.Havia outras operárias divinas como eram chamadas na canção de Nelson Gonçalves: D. Mariínha,dona de belos olhos verdes,D. Mariazinha,filha da terra que morava na praça numa casa com mangueiras.
As moças ensinavam com amor e dedicação e eram respeitadas como deusas.Pois ,deusas eram,traziam a luz e o saber que nos livra da escravidão mental, a mais danosa de todas.
Filha única aos oito anos de idade voltei para Salvador, cidade onde nasci.Precisava completar minha educação. Mamãe veio comigo,meu pai,ficou cuidando da fazenda e dos negócios.Passava,conosco os fins de semana.Chegava num dos seus caminhões carregado de mamona para a Sanbra e cheio de produtos das ricas feira do interior como charques,frutas diversas,farinhas de copioba,beijus,petas e avoadores,biscoitos de polvilho típicos da região,ervas para infusão,goiabada cascão,requeijão, doce de leite e cocada ,de corte,coco seco,um nunca acabar de gostosuras.
Em Salvador frequentei a escola de D. Sônia Bahia,excelente professora e fiquei aos cuidados de D. Guilhermina de Oliveira e Oliveira,mestra admirável,sábia e paciente com uma criança rebelde e hiperativa como eu era.Antes dos 11 anos estipulados pela lei fiz o exame de Admissão,terror dos estudantes.Deixávamos de ser criança e iríamos para o Ginásio.Muita água rolou debaixo da ponte ,mas,nunca esqueci o nome,a feição e o carinho das minhas professoras,entre elas minha mãe.
Mestra de alguns futuros prefeitos alguns a homenagearam colocando seu nome em prédios escolares .Afinal,foram 50 anos de dedicação entre Salvador e o sertão.Uma vez ,numa homenagem prestada a ela quando recebeu do governador uma placa de ouro que guardo até hoje e cabendo a mim fazer o discurso terminei assim.” Quem quiser saber quantas pessoas esta mulher humilde,baixinha e simples como as flores do campo educou é só contar os fios dos seus cabelos brancos.”
Minha homenagem a todos os professores deste país que ,recebendo tão pouco em gratidão e salários,esparzem a luz da sabedoria e da educação a todos os seres humanos sem cobrar nada em troca.

FOTO: MINHA MÃE,A PROFESSORA ARACI DE SALES OLIVEIRA QUE DURANTE 70 ANOS NUNCA DIXOU DE ENSINAR.
 
 
Miriam de Sales Oliveira
Enviado por Miriam de Sales Oliveira em 19/10/2020
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