Nunca bastei
Entre uma ilusão e outra eu percebi que as pessoas dançam lindamente com a mentira e expulsam a verdade da festa, mas eu não, todos que em minha vida chegam sejam convidados ou não, a única exigência na entrada é: seja de verdade, seja você! Não é tão fácil lidar com o que as pessoas realmente são, mas é preferível á conviver com fantoches e sorrisos temporários. Ironicamente, em toda vida que chego, antes de entrar me pedem pra tirar os sapatos e entrar sem eles, dizendo:
– é pra não sujar a casa
eles querem esconder meu passado e querem tirar de mim o que fui, algumas vezes fazem pior, me apresentam um sapato que possuem guardado e disparam:
– com esses aqui você fica melhor .
Isso não é tudo, eu sempre cedo na entrada e é aí que mora o perigo, pois depois disso eles começam com mais exigências:
– cubra esse decote, pode fazer frio.
Antes que você me diga que pode ser apenas uma forma de cuidado, não é, a pergunta de quem quer cuidar deve ser: “você está com frio?” e a depender da resposta é que você oferece o casaco.
Não para por aí... meus brincos estavam passando pelas frestas da blusa de linho dele, e ele me disse:
– por favor tire, está me machucando.
Respiro... Uh.. ah , penso comigo: será que ele vai exigir mais algo?
– seu cabelo tá caindo muito pela casa, pegue essa ataca e o amarre-o e pegue esse papel higiênico pra tirar esse batom vermelho, não gosto de ficar marcado e nem que meus copos fiquem com marcas.
Lá estava eu, decote coberto, cabelo amarrado, um sapato que não era meu, sem brincos e a cara pálida sem batom. Não sei quem era aquela, saí correndo porta a fora, e a voz dele no fundo ecoava dizendo:
– ela é uma louca!
Eu perguntava as pessoas quem eu era mas ninguém sabia responder.
Passado? Cadê você? O que eu sou? Do que eu gosto? De novo... eu teria que reaprender.
É, eu nunca bastei sendo quem sou, pra caber eu tenho que me encolher, mas depois a posição fica desconfortável, chega um momento que você deseja sair da caixa, quem vê de fora pensa:
– pelo mexido louco deve ser um bicho.
É , sou bicho, bicho que foi domesticado, bicho que vem carregando memórias e vivências ancestrais onde foram enjauladas e tratadas como bicho, mas se cansadas assumiam a forma feroz de um, eram tidas como loucas, desvairadas, desalmadas, devassas.
Ainda caio na jaula, é difícil se desvencilhar das armadilhas pois essa selva está repleta delas, uma luta diária onde “é preciso estar atento e forte” Gal já vivia o que eu vivo agora.