Cotidianos XV - Olhando o Mar

Passeando no calçadão da Praia de Manaíra - praia urbana de João Pessoa/PB -, com o meu fiel companheiro e amigo Sócrates, um cãozinho Lhasa Apso de pelagem preta e branca, a poucos metros de onde eu estava sentado, descansando e olhando para a imensidão do Mar, um carro de luxo estacionou silenciosamente. Despertou-me a curiosidade, o brilho da cor prata da Mercedes, e mais ainda... Quem sairia de dentro do luxuoso carro de impenetráveis vidros fumês?

Desceu um executivo de meia idade, cabeça completamente calva, vestindo um elegante terno azul marinho, camisa imaculadamente branca, calçando finos sapatos de um preto lustroso. A gravata, pareceu-me de seda italiana, cor de ouro velho. Os óculos, estilo Tom Ford ou algo do gênero. Ao pulso, trazia um relógio dourado, provavelmente, de ouro. Tudo naquele homem denotava bom gosto, luxo, sofisticação e conforto.

Com o meu amigo Sócrates deitado ao meu lado na mureta do calçadão, comentei: “Taí, Sócrates, um cara bem sucedido na vida. Bom para ele!”

Não dei mais atenção ao cara, virei as costas para ele e voltei meu olhar para o mar verde esmeralda da Praia de Manaíra. Naquele final de tarde, o entardecer estava particularmente lindo. O céu de um azul profundo, com uma sutil variação para o chumbo, estava pontilhado de pequenas nuvens com matizes rosa vermelho rubro. Às minhas costas, lá para os lados da Praia do Jacaré, em Cabedelo, o Sol caminhava para o ocaso. Porém, seus últimos raios, fúlgidos, conseguiam imiscuir-se por entre as frestas da selva de concreto que circunda a orla, e davam um colorido todo especial à noite que se avizinhava.

O quadro que emoldurava a tarde, era vangoguiano. Céu de azul profundo, cambiando para o chumbo... Nuvens matizadas de rosa variando para o rubro... Mar de verde esmeralda arrepiado por uma leve brisa... Crianças fugindo e perseguindo ondas enquanto riam deliciadas... Casais de namorados de mãos dadas ou abraçados... Anciãos caminhando com a calma da idade... Um adolescente jogando uma bolinha de tênis para um dog perseguir... Essas coisas simples que a vida nos dá sem percebermos a dádiva de estarmos vivos.

De repente, saí do meu devaneio contemplativo. Um suspiro pesado – parecido com um lamento -, como se alguém buscasse o ar desesperadamente, fez-me voltar o olhar para o estacionamento, na direção da Mercedes Benz, origem do... talvez... gemido sufocado? Ou seria um soluço?

O motorista da mercedes estava parado, estático. Olhando o Mar... Fixamente!

Pensei! “Será que esse cara está bem?” – e, discretamente, continuei olhando para ele.

O cara deu mais um profundo suspiro. Fungou... Passou a costa da mão sobre um olho... Abriu a porta do carrão... Tirou o paletó e o jogou no banco do motorista... Depois, com gestos nervosos – eu diria, com raiva, até! – tirou a gravata e a jogou para dentro do carro. Tirou as fraldas da camisa de dentro da calça e abriu todos os botões; a brisa ficou agitando as abas da camisa, como se fossem duas bandeiras. Deixou a porta do carro aberta e, devagar, desceu a escada do calçadão para a praia. E sempre com os olhos fixos no mar, caminhou resoluto em direção a água.

Um pressentimento arrepiou-me a espinha. “O que será que esse cara vai fazer, meu Deus?”

Perto da água, ele tirou os sapatos e as meias, e as deixou largadas pelo caminho. Depois, arregaçou as pernas da calça até os joelhos e deu mais alguns passos até a água. As ondas indo e vindo, num balé hipnotizante. – respirei aliviado, quem vai se afogar, não tem medo de molhar a barra da calça - Depois, sempre caminhando à margem do mar, andou uns cem metros rente a água... Talvez para sentir as espumas das ondas acariciarem seus pés. E ficou lá, a beira mar... Olhando para o horizonte marinho! Uns dez a quinze minutos depois, recomeçou a caminhar... Às vezes ia para direita, às vezes para a esquerda... De vez em quando parava, e ficava ali... Olhando o mar.

O meu amigo Sócrates ganiu baixinho e levantou-se. Era o jeito dele me avisar que já descansara e queria voltar a caminhar. Acariciei o dorso do meu parceiro de caminhada e também levantei para voltar ao meu passeio de fim de tarde.

Antes de ir embora, voltei meu olhar para o executivo que tinha deixado uma Mercedes Benz de porta aberta com a chave na ignição, e fora caminhar na praia... Descalço, peito aberto e de camisa ao vento.

O cara estava sentado na areia e abraçava a pernas encolhidas com o queixo encostado nos joelhos. Olhando o Mar!

O meu amigo Sócrates ganiu de novo, reclamando a pausa involuntária em razão do companheiro, curioso, ter parado de caminhar para ficar olhando para o cara que olhava o mar.

Voltei ao meu passeio. O Sócrates balançou a calda, satisfeito. No entanto, até hoje eu fico me perguntando:

“Como é que teria sido o dia daquele cara que estava ali, sentado na areia... Olhando o Mar!”

João Pessoa/PB
Out/2020.