Enganando a Tia

No início do século passado, sul de Minas, uma tia de minha mãe estava com o “sangue grosso”, o que hoje deveria ser “colesterol alto”. A recomendação médica para este mal, na época, era pelo menos uma dose diária de uma bebida alcoólica, que poderia ser rum, conhaque ou então a nossa popular cachaça.

O doutor chamou o marido dela, Tio João, e no particular receitou:

- O seu João, a doença da Companheira não é muito séria, basta ela tomar uma dose de bebida quente por dia que logo fica boa de novo...

Meu tio coçou a barbicha rala e disse pro doutor:

- Fica boa não doutô! A patroa fez voto de abstinência e não bota álcool na boca nem que o Papa mande.

O médico inquiriu o tio:

- O Senhor não é sitiante? Não tens umas vaquinhas de leite?

- Tenho sim doutô? Umas poucas cabeças para o gasto, fazemo um queijinho de quando em vez, até trouxemos um prô Senhô.

- Agradecido seu João, mas nos vamos ter que enganar a patroa - O Senhor faz o seguinte: separe uma vaquinha, das melhores e fale que eu mandei ela tomar um copo de leite todos os dias desta vaquinha. Na primeira semana adicione uma colher de rum ou cachaça neste copo, na segunda semana duas e assim por diante, até conseguir chegar a uma dose diária... tá bom?

Tio João não se agradou muito da história de enganar a tia, mas sabendo que não haveria outra maneira de fazer a companheira quebrar o voto, assim o fez:

Chegando ao Sítio selecionou a sua melhor vaca a “Baronesa”, meio sangue suíço, e recomendou ao seu retireiro,

- Tião, todo dia, logo pela manhã, me traga um copo do leite da Baronesa, tirado na hora.

Ele mesmo adicionava a bebida e entregava para a tia com a recomendação médica. Fazendo como o Doutor mandou, adicionando aos poucos um conhaquinho. Meu tio, algum tempo depois, teve que descartar algumas vacas do seu rebanho. Chamou seu negociador de confiança:

- Magela, eu tenho umas vacas já meio idosa dando pouco leite e já não agradece o trato que damos para elas, precisamos fazer um descarte lá, vendê-las logo. Como está o preço da arroba na cidade?

Antes que Geraldo Magela respondesse, tia Rosa atalhou a conversa, coisa quase impensável naquela época em que mulher não palpitava nos negócios do marido:

- Olha aqui João e seu Geraldo, vocês podem vender qualquer vaca lá do retiro, pode vender até todas e mais o touro, mas ninguém vende a Baronesa, pois o leite dela além de ser meu remédio é muito bão.

Defranco

Defranco
Enviado por Defranco em 26/10/2007
Reeditado em 02/07/2013
Código do texto: T711305
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