São 4;30 da manhã de um domingo que promete ser ensolarado e quente.
             Por uma questão de trabalho, levantei-me ainda noite e com um sono digno de quem passou a noite em branco. Muitos pássaros já cantarolavam o início de um novo dia e o fim de uma noite, iluminada por uma Lua cheia, redondamente perfeita e descaradamente brilhante.
            Fazia tempo que esse limiar entre o fim de um e o começo de outro dia não era experimentado por mim. A temperatura estava perfeita, a vontade era de estar nu e caminhar ao som dos poucos carros que começavam a percorrer as ruas, uns indo...outros voltando
            Nessa hora, em que um portal se fecha e outro se abre,  encanta-me pela beleza do fim de um período e o inimaginável novo que se inicia. Desdenho o dia para ficar com esse momento de transformação, de página virada, de sentir o velho que termina e do novo que ainda não se apresentou.
           O frisson dessa hora é dado pelas pessoas voltando às suas casas, algumas completamente narcotizadas por álcool, por alegria, ou quem sabe até por uma novo amor. Muitas histórias dessa noite serão contadas, outras veladamente escondidas para sempre.
           Nesse momento as pessoas têm pressa, como se fossem vampiros extasiados,  que necessitam chegar ao lar, ao ninho, antes dos primeiros raios de sol.
           Algumas se lançam em bares para saborear algo quente, café recém passado, um pãozinho ainda estalando, crocante, regado com manteiga e quem sabe até um pão de queijo. 
         Vi uma mulher jovem saindo de um carro, entortando o salto do sapato de tão embriagada. Um vestido preto, bem curto, mostrando as pernas torneadas que bambeiam a cada passo. Olho para o carro que a trouxe esperando ver o cavalheiro,  namorado, um homem enfim, porém minha surpresa termina em poucos segundos....a companheira era outra mulher, quem sabe uma amiga ou uma amante, isso não importa, pois com certeza a noite delas foi agitada.
           Aproveito esse momento tão especial e único para ir até a padaria e degustar junto com os desbravadores dessa noite de primavera, um delicioso café passado cinco minutos antes. 
            Jovens se abastecem de energia, como se isso para eles ainda fosse necessário, antes de descansar algumas horas, degustando croissants e suco de laranja. Outros estão do lado de fora esperando o  ônibus ou quem sabe uma alma caridosa que os leve até em casa.
           Um casal caminha, agarradinho, trocando beijos e certamente  juras de amor. Os passos deles parecem um ballet, uma sintonia perfeita que se percebe na aura de cada um deles. Morro de inveja, imagino-me como eles, caminhando abraçado com meu amor sem o menor pudor, sonhando com momentos mais íntimos.
           O portal se fecha...o novo dia já desponta com muita luz e calor. A  Lua ainda está lá, teimosa,  querendo disputar o brilho com o Sol que nem percebe a presença dela. A Lua sabe, como os cavaleiros e amazonas notívagas, que agora é a hora de descansar, de repor as energias, de se ocultar, pois outros portais ainda se abrirão. 
         Eu ainda não sei o que farei, provavelmente dormir algumas horas,  mas com certeza o ar fresco e o lusco-fusco desse fim de  madrugada me inspiraram a escrever estas poucas palavras.