Solar
Olhei para o relógio. 23:11. Day tinha acabado de me mandar uma mensagem de voz.
Larguei o celular de lado, pensando na distância e no ano que estava prestes a acabar. Seis meses sem ela. Quanto tempo mais seria assim?
Pensei no nosso encontro, um ponto fora da curva, entre as probabilidades. Parecia uma jogada de sorte no começo. Agora tinha um toque de tragédia... Como as páginas que eu tinha escrito sobre ela, espalhadas pela casa.
Havia algo que ela nunca me esclareceu e que me rondava o pensamento. De onde vinha toda sua calma? E eu me questionava sobre isso desde o primeiro momento que ouvi a sua voz. De onde vinha todo aquele entusiasmo que ela tinha pela vida, e que eu já não sentia dentro de mim?
Fiquei nesse pensamento até que outra mensagem chegou.
Era ela, novamente. Dizia apenas “Vou dormir. Boa noite”.
Parei pra ouvir a primeira mensagem, e a calma estava lá. Dava pra perceber cada suspiro antes de cada palavra, e eu quase podia sentir como se eu estivesse deitado em seu colo, enquanto ela passava os dedos entre meus cabelos.
Ela perguntava como tinha sido o meu dia. Se eu estava bem. E dizia que sentia minha falta.
A verdade é que eu quase morri quando ela subiu no avião, e morria um pouco a cada dia desde então. Mas eu nunca quis falar sobre isso.
Respondi que estava tudo bem. E que também sentia sua falta.
Embora a primeira parte fosse mentira, ou talvez só uma omissão da realidade, eu não me senti culpado.
Andei pela casa, fervi um café, risquei umas palavras num caderno, procurando algum conforto onde não havia.
Abri o livro que ela tinha esquecido, procurando o cheiro dela entre as páginas. Não achei nada além de palavras. E palavras eu já tinha de sobra.
O que fazer com todas elas? Eu perguntava às minhas paredes, sem esperar resposta.
E quis, por um minuto apenas, estar entre as estrelas que eu sabia ela contemplava de sua janela. Eu queria ser o pensamento que lhe roubava o sono. Ou o vento que corria entre seus cabelos e por debaixo do seu vestido. Eu quis tantas coisas impossíveis desde que ela chegou, e principalmente depois que foi embora.
Voltei ao café, que desta vez já estava frio, e me lembrei dela com minha caneca nas mãos, e da marca de batom que tinha ficado na borda.
Adormeci com o gosto amargo na boca. Como em tantas outras noites. Era o novo normal.
Saudade,
solidão.
Espaços vazios.
Enfim...
Acordei com o barulho de chaves girando a fechadura.
Era Day, de mala e cuia.
Ela trazia o sol entre os dentes.
O sorriso. A calma e todo o resto.
Esfreguei os olhos e ela ainda estava lá.
Eu não sonhava.
ou se sonhava, pelo menos, desta vez estava acordado.