O cachorro e o padre

O cachorro entrou na igreja. Ora, que quereis? A porta estava aberta mesmo e havia um burburinho interessante lá dentro. O cachorro entrou para saber do que se tratava aquilo. Lamentavelmente, não era um cachorro católico, como ficou demonstrado pelo fato de passar pela pia de água benta sem esboçar o menor sinal de ali botar uma patinha e se persignar.

Ele estava ocupado demais olhando para todas aquelas pessoas. A igreja estava lotada e seja dito em favor do cachorro que ele muito se alegrou com isso. As pessoas estavam sentadas e murmuravam algumas coisas que ele não conseguia entender. Como havia um corredor separando as pessoas, o cachorro achou por bem seguir por ali para ver onde aquilo iria dar.

Fez então a sua própria procissão de entrada, mas não soube manter a dignidade que tal rito exige. A cada instante, aproximava-se das pessoas sentadas na ponta dos bancos, começava a cheirá-las e chegou até a esboçar subir em algumas delas, para grande constrangimento dos seus escolhidos. Um ou outro até dava uma risadinha, mas todos logo retomavam a sua posição de seriedade, coisa que o cachorro, em absoluto, não entendia: ninguém aqui quer brincar?

O jeito era continuar seguindo pelo corredor. Houve um menino que viu o cachorro e o chamou, pois estava excitado com a novidade: “Um cachorro na igreja!”. A mãe, contudo, percebeu o seu intento e, antes que aquilo resultasse em grande prejuízo às suas almas, deu um tapa na mão do menino e bateu o pé no chão, como a dizer ao cachorro: “Chispa!”.

O cachorro obedeceu e em seguida olhou para frente e percebeu que havia um homem vestido de branco para o qual todas as atenções se voltavam. O padre estava ali e falava alguma coisa ao microfone. Presumindo que um homem como aquele devia ser especialmente divertido, o cachorro foi rapidamente na sua direção. Até então, o padre ainda não havia se dado conta de que havia um cachorro na igreja, já que estava com a cabeça abaixada lendo um folheto.

Levou então um pequeno susto quando se deu conta de que havia um cachorro pulando ao redor de si. Mas a sua perturbação não durou mais do que um instante, pois logo retomou a leitura do folheto, como se nada de anormal estivesse acontecendo à sua volta. O cachorro, porém, não podia suportar a sua indiferença e tratou então de chamar a atenção do padre da forma mais evidente que tinha à mão: puxando a sua batina. As batinas de um padre, em verdade, pedem para ser puxadas por um cachorro. Foi o que o nosso tentou fazer, mas sem sucesso.

É que o padre percebeu em tempo e se virou de lado para afastar o cachorro. O cachorro foi atrás e tentou puxar de volta. O padre se virou outra vez. O mais admirável é que o padre fazia esse inusitado ballet com o cachorro sem se descurar da sua leitura em voz alta, o que bem demonstra o seu zelo para que o nome de Deus não fosse profanado por uma eventual interrupção da cerimônia. Ao seu lado, o cachorro se agitava e dizia com seus gestos o que não podia com as palavras: “Quero um pouco de amor!”.

O bom sacerdote, felizmente, soube resistir à tentação e não lhe concedeu o menor afago. Toda a comunidade se uniu ao padre e ignorou o cachorro, mantendo-se atenta ao folheto e não perdendo uma única deixa para repetir as frases prontas ali escritas. A cerimônia prosseguiu e o cachorro foi esquecido. Com isso, foi preservada a honra da casa de Deus e a mensagem de amor que nos trouxe o seu Filho.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 13/12/2020
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