PROFECIAS DE ANO NOVO

Como uma folha em branco e como se iniciássemos uma prova que há muito almejássemos passar, ou como é o anseio de um poeta ao desenhar os primeiros versos de alguma obra, assim é o novo ano desejado; assediado com promessas e resoluções que se cumprirão ao longo do seu passar ou que não vingarão; é um não saber o que virá do que já se viveu de velhos Anos Novos.

Se descortinam promessas enquanto os dias vindouros avançam e as lembranças dos dias passados recuam. Enquanto as juras dos próximos dias do ano que chega se avolumam, toda a vida e a paisagem dos dias que se foram ressurgem na janela de nossas mentes, contemple-a calmamente.

Não há muita novidade no que está por vir, nenhuma ruptura súbita virá no que será planejado dentro dos nossos calendários. Apesar de não haver nada novo, disfarçamos que sim, que a vida se renovou...Encenamos uma alegria explosiva que atinge e pinta o céu com fogos de artifício, tão somente para celebrar a rotina antiga que reiniciará em um novo ano.

Não se trata aqui de um incentivo ao pessimismo inoportuno nesta atmosfera planetária de positividade e anseios, nem se trata de destilar o ceticismo diante de promessas sinceras que pululam nas redes sociais. É apenas uma reflexão que despontou na intimidade de alguém e que apesar de ser exclusivamente particular fez as circunstâncias uma forma de fazer elas circularem para outrem. Após uma noite de pouco sono a inquietação mental fez com que os pensamentos se derramassem no papel e que depois se tornassem um testemunho virtual dos votos para o ano que chega.

Atravessar um tempo tão sombrio e caótico fez aparecer uma vontade proeminente de sintetizar as vivências do dramático 2020. Vomitar aprendizados não é necessário, tampouco são os julgamentos de circunstâncias alheias, mas sim incutir algum sentido no que se foi é um desejo latente.

Não parece óbvio apesar de ser um fato, mas o futuro é uma prateleira de retratos do passado em sequência. Então pode ser isso o profetizar, talvez não cabe a todos prever como se desenvolverão os nossos dias porque alguns não reutilizam os cacos do passado para fazer o futuro, alguns só despejam o que findou do velho ano em alguma lixeira de não recicláveis, como a sujeira do pós festa de uma comemoração mal sucedida. Não meu caro, não mergulhe de cabeça em metas futurísticas ilusórias e expectativas que cansarão em alguns meses, te sugiro: se detenha nesse ímpeto de querer alcançar o que virá e ao invés de correr em disparada se detenha; estanca a hemorragia de palavras que serão inutilizadas; silencie os pensamentos; acalma o coração afobado e sem pudores olhe para trás. Examine todas as feridas que a vida deixou e como um cão ferido despretensioso lambei-as para curá-las, quem sabe... E de frente para o que é real, daquilo que poderá ser seu verdadeiro futuro, tome posse destas dores e segue rumo a jornada do novo ano, traz como companhia os fantasmas do passado e recalcule a rota para os próximos dias. Não seria este o dom de Apolo? Se for isso, alegre-se por merecer esse lugar e desfrute deste poder como um semideus que tem o dom de criar a própria realidade pela recriação a partir de fragmentos do passado.