DUAS XÍCARAS DE PORCELANA


Domingo carrancudo por aqui.O sol aparece e logo é sufocado por uma espessa camada de nuvens.
De quando em quando, uma chuvinha atrevida provoca corridas ao varal.
Preparei um almoçinho básico mas nem sei se os demais aqui de casa estão lá muito interessados.Ela...Continua muito doente e o filhão empanturrou-se no café da manhã.
Resta-me esta condição de zumbi vagando de lá pra cá como querendo encontrar o ponto de equilíbrio que me restabeleça a serenidade hoje distanciada.
Na rua de baixo reina uma alegria contagiante entre alguns membros de família reunidos para um churrasco.
Riem, bebem e falam muito. Da sacada do sobradinho onde se encontram, parecem espiar um mundo alegre do qual, infelizmente , não ando fazendo parte.
Da minha varanda, eu os aprecio e uma pontinha de saudade remete-me a domingos alegres quando esperava-se a chegada das tias, dos primos, a maioria da cidade de Ponta Grossa.
A expectativa da chegada reforçava o apetite e aquele cheiro de assados tornava-se irresistível !
Música, alegria...Até o cachorro ria com ar de felicidade.
Arrasto meus passos e a casa mergulha numa quase solidão.
[ Deve ser reflexo daquilo que ando sentindo, nada mais ]
Nos guardados...
O que restara das xícaras de porcelana de vó Maria.
Das muitas que ficavam penduradas em ganchos naquele seu guarda comida azul, restaram apenas duas.
Floridas, festivas...Davam um tom de "elegância", segundo seu pensamento, à mesa posta para o café das três, quando da visita da parentada.
Vêm-me à lembrança:
A mesa rodeada de sorrisos e elogios aos doces e quitutes da velhinha. Alguém sugeria nas entrelinhas,o desejo de levar um pão caseiro, um pote de doce de peras, coisas assim.
Mal sabiam dos agradinhos que já estavam separados de ante- mão.
Como sinto falta disso ! Meu Deus !
A vida segue e vai cumprindo seus ciclos mas os momentos de ternura intensa não desaparecem da memória jamais.
Agora esta aridez, estes momentos em que todas as minhas forças têm se direcionado para amparar, amenizar, tapar o sol com a peneira...
Difícil ! Mas tenho esperança de contorna-los.
Observo as xícaras à minha frente. Rosas cheias de viço estampadas ao longo da porcelana branca.
Lembro do guarda comida azul, abrindo-se solene para a retirada das mesmas.
"Chegou o povo de Monte Alegre ! Que alegria "
Proferia a velha senhora apertando o nó de lenço branco que lhe encobria cabeça.
Penso em flores, em plantas, e naquele pedido na fria tarde de um dia qualquer, naquela saleta de pouca luz enquanto o soro descia em gotas que pareciam intermináveis.
-" Não se descuide das minhas plantinhas..."
A mão tão frágil, buscando amparo nas minhas mãos.
As lágrimas que sufoquei, naquele momento regaram todos os antúrios desabrochados no jardim de dentro.
Agora estas xícaras cá em minha frente...
Vou servir um café aos meus fantasmas.


Joel Gomes  Teixeira