“Desesperar, jamais”.
Corria o ano de 1979. Época de severa crise econômica, desemprego acachapante, inflação corrosiva, exclusão social em alta, desassossego geral. Ainda as prisões políticas com seus primatas a gargalhar do sofrimento alheio. Ainda o medo nefasto da morte com o supremo da dor física e emocional. Medo! A angústia pela ainda existência de um governo feroz nos ameaçava, mas uma parcela significativa da sociedade mostrava o rosto com juventude, força e brilho desafiando a devassidão de um tempo trevoso que parecia eterno.
Época de esperanças também. Os movimentos sociais se expandiam visivelmente com a liderança, coerência e visão de futuro com dignidade de Luís Inácio da Silva, que já despontava como liderança inconteste da classe trabalhadora. E com o apoio da Igreja Progressista que sabia e sabe muito bem fazer uma lúcida e justa interpretação do Evangelho.
Agarrávamos à esperança. Esperança com atitudes e isso nos sustentava. Cada dia significava um tijolo a mais na construção, uma possibilidade e uma certeza de mudança pintada de cores vivas e intensas. Acabaríamos com a escuridão daqueles que haviam inventado o pecado e esquecido de inventar o perdão.
Nessa época Ivan Lins e Vitor Martins compuseram a brilhante música “Desesperar jamais”.
Aquela letra profunda e carregada de significados marcou a chegada de um tempo de vida possível, de certeza de que as identidades seriam definidas com o valor do direito e das emoções.
Hoje, apesar do desastroso momento que estamos tendo que sofrer em função da irresponsabilidade, do analfabetismo político, da ignorância e do ódio de milhões, temos sim que ter esperança com ações. Ações como a do Padre Júlio Lancelotti ontem, quebrando as pedras colocadas a mando da prefeitura de São Paulo sob um viaduto para que os moradores de rua não pudessem ter sequer o direito de dormir se protegendo do sereno. São muitas as ações que se distanciam da patifaria das classes dominantes, mas cito hoje apenas o Padre Júlio.
Ter esperança nesse momento de negacionismo, de deboche das oposições, de abandono dos sentimentos e do respeito é também uma forma de resistência. Sorrir, estudar mais, ler mais, questionar, abraçar mesmo à distância, cuidar mais de si e dos outros, exercitar a empatia, não se permitir cair em depressão, não permitir que o desgosto invada a alma... tudo isso é resistência num tempo em que confortavelmente sentado no camarote do poder está um ser que não me permito dizer o nome. Apoiado por suicidas sim, pois quem deseja a morte alheia já está morto. Assim disse o nosso Papa Francisco tempos atrás.
Cantando como fazia Ivan Lins em 79:
“Desesperar jamais.
Aprendemos muito nestes anos
Afinal de contas, não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo
Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada, nada, nada de esquecer
No balanço de perdas e danos
Já tivemos muitos desenganos
Já tivemos muito que chorar
Mas agora acho que chegou a hora
De fazer valer o dito popular
Cutucou por baixo, o de cima cai.
Desesperar jamais.
Cutucou com jeito, não levanta mais”.