Domingo, manhã, hotel

O dia amanhece, como costuma fazer outras vezes. Vou até a janela e descubro um sol pálido, o sol de um verão que já quer se fazer outono. É domingo e eu não conheço essa cidade. Vejo uma calçada bem cuidada, arborizada – um convite ao passeio, mas ainda não se vê ninguém caminhando por ali. Ah, agora vem um homem. Carrega uma sacola, imagino que venha de alguma padaria. Passa sem olhar para cima, sem perceber que eu o observo. Entra em uma rua que eu não sei onde vai dar e some da minha vista. Tenho uma súbita vontade de me tornar um cidadão local, de conhecer todas essas ruazinhas como a palma da minha mão.

Permaneço olhando para baixo e sentindo o vento, que começa a ficar forte. Tenho então um pensamento egoísta: te ver andando naquela manhã, leve, mas um pouco aflita, com uma das mãos tentando segurar o cabelo moreno, para evitar que o seu penteado se desmanchasse. Eu espectador, eu apenas contemplando o que lhe tornaria ainda mais adorável aos meus olhos. Reconheço que tudo isso não passa de ilusão, mas, mesmo assim, não consigo evitar. Ainda continuo ali por algum tempo até decidir que devo me arrumar para tomar o café.

Tenho problemas com o chuveiro, a água não está esquentando. Eu poderia reclamar, causar um conflito com o dono do hotel, que me parece um bom sujeito. Ele ficaria constrangido e me recomendaria algum outro lugar para tomar banho, mas isso traria aborrecimentos demais para uma manhã de domingo bonita e tranquila como aquela. Viro-me então com a água fria mesmo, ora, é só uma vez, daqui a pouco eu já não estarei aqui e tudo será memória.

Logo estou na sala onde se toma café da manhã. Há apenas uma família ali, um casal com seus dois filhos pequenos. Penso que é uma coisa boa ter uma família e lamento que não chegarei a formar nenhuma. Mas eles já estão terminando, logo se levantam e vão embora. Toda a sala de café da manhã é minha. Encho o meu prato de pães, doces e frutas, é preciso aproveitar. Há uma televisão ligada em que são noticiados os eventos agropecuários da semana. É um hotel pequeno, como pequena é a própria cidade. Lá fora, brilha o mesmo sol pálido. O café está bom, o dia está bonito e a cidade me é simpática. Nessa hora, a solidão não me afeta muito.

Volto para o quarto e arrumo as minhas malas, enquanto contemplo o lugar em que dormi uma única vez. Outras pessoas virão até aquele quarto, porque a vida é substituição. Desço até o balcão para fazer o pagamento e, como quem não quer nada, sugiro que talvez haja algum tipo de problema com o chuveiro, é melhor verificarem, mas quanto a mim não há problema, consegui tomar o meu banho mesmo assim. O dono do hotel não é muito de falar, como eu não sou, mas tomou nota da minha observação e agradeceu. Que as coisas lhe corram bem.

Estou agora do lado de fora do hotel. Respiro o ar de uma cidade verde, mas praticamente sem morros e sem nada que me seja familiar. Penso com desagrado que agora é o meu cabelo que bagunça, é o meu penteado que se desfaz, mas isso não tira a minha paz, o meu desejo de saber quantos domingos como aquele essa cidade é capaz de produzir. Aparece um menino de bicicleta. É a única pessoa na rua. Observo-o com ternura e decido me entregar mais uma vez à ilusão.

Talvez, se eu dobrasse aquela esquina, eu iria te encontrar de repente e a gente iria caminhar junto por aquelas calçadas arborizadas, a sua mão na minha. Lembro-me então de um erro, de uma mágoa, e tudo se dissolve. Olho para a frente e não vejo o fim do asfalto. Tenho a doce vontade de me perder ligeiramente.

É domingo, o sol está pálido, o vento está forte, eu não conheço essa cidade, eu preciso partir e talvez nunca mais volte a te ver.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 14/03/2021
Reeditado em 14/03/2021
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