O primeiro dia do resto de nossas vidas

Hoje eu descobri que amanhã será o primeiro dia do resto da minha vida. Mas por que essa descoberta logo agora? Por que não ontem, ou no ano passado ou, quem sabe, há uma década atrás? É simples, só agora me dei conta disso. A vida passa tão freneticamente, que não temos tempo para refletir sobre a efemeridade da vida; sobre o quão rápido os anos passam e o quão curto vai se tornando o nosso futuro. Hoje, somente hoje, conscientizei-me disso. A gente vive uma vida inteira sem acreditar que amanhã poderá ser o primeiro dia do resto da nossa vida. É quando se tem certeza de que o futuro já não é tão infinito e cheio de promessas; de que os sonhos e ilusões tão bem acalentados pela doce juventude já se tornaram ou não realidade, porque a juventude, bem, essa já se foi faz tempo. Já se viveu meia vida ou um pouco mais e agora os horizontes mudaram completamente; o nosso norte, já não fica tão no norte assim; as perspectivas mudam completamente. Você já não tem aquela beleza jovial e daqui pra frente a coisa vai ficando cada vez pior; já se formou, já tem uma carreira e talvez se dê conta de que isso não era tão estonteante assim, afinal, a felicidade, conquistou? Já tem tudo o que desejou materialmente e essa era uma grande promessa de felicidade, e então, é feliz? Quando se está no auge da juventude, tudo é passível de ser conquistado, o futuro é tão cheio de promessas; mas o que a gente esquece é que o futuro é cada dia que se vive, cada minuto que se vai, cada instante que se esgota. Esse é o futuro que escorre pela nossas mãos como grãos de areia, mas sequer percebemos isso. E agora, aqui estou pronta para viver esse primeiro dia amanhã, porque daí em diante será o resto da minha vida. Ontem eu era apreciada pela beleza, hoje vejo que minha filha é apreciada por sua beleza, mas na verdade, apreciada mesma é a jovialidade, a promessa de futuro. O que já foi vivido não possui mais frescor, perde-se o interesse. Acho que é um dos sintomas do resto de nossas vidas. Seus filhos estão crescidos, é a carreira deles que nos preocupa agora; são eles que vão para a balada, são eles que estão na onda, são eles e não mais nós. Bem, o que me resta então, senão, levantar a cabeça e enfrentar mais esse desafio; por sinal um desafio que vai durar até o último dia do resto da nossa vida. O segredo é sorver um gole de cada vez e apreciar o sabor do vinho; ler uma página de cada vez de todos os livros que puder; ouvir cada música e sentí-la vibrar em seu coração; apreciar o vento que bate no rosto; despir-se completamente do tempo, porque ele, sim, te aprisiona o resto da vida. Desamarrar os nós que atam os nossos preconceitos e olhar o outro como um de nós. Compreender de maneira mais generosa as relações humanas, porque nelas, estamos emaranhados para o resto de nossas vidas. Entender que o hoje é o ontem de amanhã, que amanhã será o hoje e que os amanhãs são meras ilusões de futuro, presente e passado. Tudo está muito bem amarrado

nas convenções dos desejos humanos. Melhor mesmo é jogar o relógio fora e aproveitar cada instante de todos os dias do resto de nossas vidas. Melhor mesmo é transformar tudo numa valsa e procurar dançá-la da maneira mais suave e graciosa, aproveitando cada minuto desse bailado que se chama vida e que é muito mais efêmera do que se possa sonhar.