Casou-se uma amiga

É dia de festa, aqui estou eu no casamento de uma amiga, uma dessas amigas que a gente conhece pela Internet e que mora longe, aí um dia ela se casa e a gente é convidado, e como é que poderia negar, como é que poderia dizer que não tem dinheiro para a viagem, não tem dinheiro nem para alugar terno, a amiga não precisa saber de nada disso, então a gente dá um jeito, arruma um dinheiro, viaja, mesmo que as consequências disso se prolonguem por meses.

Olho para os padrinhos, todos bem vestidos, todos tão desenvoltos, ainda bem que ela desistiu de me convidar para ser padrinho também, eu faria um triste papel, ficaria perdido no meio deles, e quem é que seria a madrinha, onde arrumariam um par para mim, e eu teria que dar presente, mais empréstimo, mais juros, mais dívidas, e ainda ter que seguir todas as etiquetas, meu Deus, que bom não ser padrinho.

Estou sentado sozinho, não conheço ninguém aqui além da minha amiga e não posso ficar ao lado dela o tempo todo, até tentaram me colocar na mesa com os primos dela, na ilusão de que eu me daria bem com gente mais jovem, ah, mas sou uma alma velha, eles estão felizes, eles bebem e fazem piadas, e eu me sinto acuado, é para o meu próprio bem que me afasto, tudo o que quero agora é dar um jeito de parecer entretido e não chamar a atenção, mas todo mundo percebe a pessoa que está sozinha demais.

Alguns senhores puxam assunto, querem saber quem eu sou, sou só um amigo de Internet da noiva, querem saber de onde eu venho, falam alguma coisa sobre a minha cidade, eu concordo, concordo com qualquer coisa que disserem, por favor, não puxem assunto comigo, eu vou gaguejar, vou me atrapalhar, vou me sentir péssimo por gaguejar e me atrapalhar, o que é que estou fazendo aqui, sabia que não devia ter vindo, não sirvo para essas coisas de casamento.

A dança dos noivos, meu Deus, como ela está linda, eu fico feliz por ela, claro que fico, incentivei para que as coisas acontecessem, ela está vivendo um sonho, até por isso é melhor que ela não olhe para mim, porque ela vai ver que eu estou me sentindo desconfortável no casamento dela, e isso significará uma mancha no evento, uma recordação triste de um dia que deveria ser da mais completa felicidade.

Mas é tempo de cumprimentar a amiga, dizer as coisas bonitas que se diz em uma ocasião dessas, e então é preciso sorrir, e o sorriso é de verdade, pois é bom vê-la assim, é bom conversar com alguém que já conhecemos e com quem temos intimidade, eu quero ficar ali falando com ela a noite toda, mas não dá, há centenas de convidados que também querem dizer algumas coisas para a noiva e então ela se vai.

O noivo, se é que se chama ainda noivo, pois ele acabou de se casar, já é marido, o marido se aproxima e me cumprimenta, todo sorridente, nem parece que ele já teve ciúme de mim, como se eu representasse algum perigo, talvez agora ele sinta que ganhou a batalha, a mulher é sua, talvez só agora, ao me ver pela primeira vez, tenha percebido a grande bobagem que foi achar que eu seria alguma ameaça.

Volto à minha mesa, volto à solidão da minha mesa, mexo obstinadamente no celular, fico aliviado ao chegar a hora de me servir, porque isso ao menos é fazer alguma coisa, sem risco de alguém querer se aproximar para conversar, e então como, como bem devagar, pelos mesmos motivos, tento relaxar, mas já vejo que começou o corte da gravata, a brincadeira para juntar dinheiro aos noivos, ah, meu Deus, eu é que preciso de dinheiro para poder voltar ao hotel.

Levanto-me, finjo que vou lá fora resolver algo importante, mas estou só fugindo mesmo, a noite está linda, ainda é cedo, mas preciso ir embora dali, sou um verme, indo embora assim do casamento da própria amiga, e então eu sumo, talvez para sempre.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 26/05/2021
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