Parênteses

Acho que herdei esse jeito com as palavras, o gosto pela poesia e pelo belo da minha avó Severina; retirante de Alagoas, analfabeta e temente a Deus. Ensinou-me a beber água da chuva, pois tudo o que vinha do céu era sagrado; a rezar o terço e a ir à missa todos os domingos. Fez de sua vida a resignação personificada de que tudo o que lhe foi imposto; aceitou cada fardo como obra divina e o carregou com a mesma força e disposição que a vida lhe dera desde os primeiros dias.

Minha avó não sabia ler, mas declamava poemas que aprendera de ouvido e contava estórias como ninguém. Talvez se pudesse tê-las lido não teriam tamanha paixão, tamanha riqueza de detalhes.

Sabia as operações matemáticas sem ninguém tê-la ensinado; acho que foi obra da sua divina inteligência. Perfeccionista, tudo precisava estar muito limpo e no lugar. Preguiça era uma palavra que não existia em seu vocabulário e, mesmo tão curvada, trabalhou incessantemente até os seus últimos dias.

O amor era seu traje preferido. Amava indiscriminadamente o seu semelhante e, por isso, foi e ainda é tão amada. Amava a natureza como ninguém, mesmo sendo esse contato restrito ao pequeno jardim; quando ‘aguava’ suas plantas, era o momento mágico em que mantinha longas conversas com elas, que sempre lhe retribuíam em beleza e viço.

Costurava muito bem, mas só fazia roupas para bonecas; verdadeiros modelos, confeccionados com esmero acabamento e caimento. Passava horas em sua máquina de costura à mão, não tão obsoleta para sua necessidade . Fazia tudo de retalhos; acho que era uma forma de reconstituir o partido, o quebrado, e juntá-los novamente, dando-lhes uma forma nova, repleta de luz e amor.

Minha avó foi uma alma rara com quem tive o privilégio de conviver. Eu fui, muitas vezes, sua professora, pois ela queria muito aprender a ler e a escrever, pelo menos o seu nome. Eu tinha oito ou nove anos e ensaiava com ela os primeiros passos da minha maior aptidão. Mas o que jamais sonhara nesses momentos, é que a grande lição eu aprenderia com ela, com seu exemplo de amor, que mantém aquecido o meu coração desde a sua partida.

Minha avó Severina, no nome e na vida, ensinou-me a amar o belo, a compreender melhor as diferenças e a conviver com elas; a ser mais tolerante, a amar a natureza, a cultivar Deus no coração e a apreciar a poesia.

Por isso, abro um parênteses neste momento e faço uma pequena homenagem àquela com quem troquei poemas em tantas cartas, recheadas da poesia de viver e que sempre faziam nossos olhos navegarem em lágrimas de saudade.

‘Senhora Sant’Anna subiu aos montes,

por onde ela andou deixou uma fonte;

Os anjos desceram e beberam água dela

_Ó água tão doce, senhora tão bela!’

Um dos versos que minha avó costumava recitar, cuja autoria desconheço.