Crônica das fases da vida

Vivemos tantas fases que parecem várias versões de nós, e talvez sejam mesmo considerando que por vezes olhamos para trás e nem nos reconhecemos em algumas atitudes tolas e insensatas. Vamos acumulando conhecimento ao longo dos anos mas se formos absolutamente sinceros não iríamos repetir todos os comportamentos ao assistir esse filme que passa por detrás das nossas retinas. Os que dizem que não mudariam uma vírgula em sua biografia estão mentindo, pois muitas vezes damos com os burros n’água, sofremos e nos iludimos. Por outro lado, se não fosse aquela porta errada que abrimos há muitos anos possivelmente estaríamos agora em outro lugar bem menos agradável. Às vezes existe sim o mal necessário.

Entretanto como eu gostaria de ter desconhecido algumas pessoas, desvisto coisas e desvivido situações (quantos neologismos, não?), mas a gente não é o herói Super-Homem que voou ao contrário ao redor da Terra para voltar no tempo e salvar a vida da sua amada Lois Lane. A ficção científica é lotadíssima de exemplos que demonstram ser a linha do tempo de cada um algo intocável e que qualquer tentativa de alterá-la comprometeria a nossa própria existência como nas aventuras do personagem Marty McFly no filme “De Volta Para o Futuro” da década de 1980.

Ficções à parte, nossas vidas são, creio eu, um imenso quebra-cabeças onde cada mínima pecinha tem sua razão de estar encaixada naquele lugar a fim de que o resultado final forme um conjunto harmônico. Mas até encontrar no meio de tantas peças disponíveis quais as exatas para evoluir no jogo a gente precisa lutar e aprender com os erros. Tem gente que amadurece mais cedo porque lhe foi exigida precocidade devido a inúmeras razões, outros custam à beça a crescerem.

Minha versão com 20 anos pensava que a vida era um grande parque de diversões e que tudo aconteceria mais ou menos automatica e sequencialmente: Estudar, se formar, arranjar um trabalho, se apaixonar, casar, ter filhos e depois netos, tudo entremeado com muita badalação com as amigas, prazerosos passeios e muito mais emoções boas do que ruins. Depois fui vendo que nada era garantido “de fábrica” e que quando a gente diz que sim o outro pode perfeitamente responder que não e vice-versa. Aprendi que se houver uma tempestade correções de rota serão necessárias para que a aeronave chegue segura ao seu destino. Há que se respeitar e aceitar que nem tudo no filme da vida acontece de acordo com o roteiro, podendo chover no dia da filmagem externa ou o protagonista pegar um baita resfriado bem no dia da cena mais crucial de todas. O famoso personagem “Sobrenatural de Almeida” criado pelo sensacional dramaturgo Nelson Rodrigues já até saiu dos livros assombrando os quatro cantos do mundo e fazendo tudo virar de pernas para o ar. Causou homéricas decepções… O improviso nessas horas teve que entrar em ação para tentar impedir um mal maior.

Mas ninguém nunca aprendeu a não entrar em enrascadas somente com o exemplo e aconselhamento dos mais experientes, há que derrapar, estatelar-se no chão depois aprender a levantar sozinho porque fez ouvidos moucos. “Comigo vai ser diferente porque sou esperto”, pensou o coitado antes da sandice cometida. Seria muito bom economizar esses tombos, mas não é assim que funciona a mente humana, a teimosia infelizmente impera. Impera e não é raro recusar-se a abandonar alguns sujeitos de cabelos já prateados. Pior para estes.

No fim das contas cada um vai deparar-se com o somatório do que suas variadas personas aprontaram e torcer para o balanço final ser positivo. Com sorte será, caso tenha agido com um mínimo de bom senso. A idade não traz só rugas, a reboque vem a experiência e um certo sexto sentido que lhe serve de radar para evitar o perigo. Manter a positividade também ajuda demais, porém sempre com um olho no padre e outro na missa porque seguro morreu de velho.