Descendo a Serra de Santos

Foi uma aventura maluca, quando eu e o meu amigo Antonucci cismamos de descer a Serra rumo a Santos. Também, estávamos mais bêbados do que Peru na véspera de Natal.

Nós estávamos tomando umas e outras no Bar do Julio, quando Antonucci teve a idéia de me convidar para descer a serra para encerrar a noite nas praias de Santos.

Eu tinha um jipe velho que atuou na guerra e respondi para ele: “não Antonucci, a estas horas da noite é perigoso, são quase meia-noite e o Jipe não está lá essas coisas. Pode enguiçar conosco no meio da Serra e depois?” Antonucci retrucou: “que nada Feliz, Santos está logo ali e a Via Anchieta é um estradão”. - Certo, respondi, mas ela é muito tortuosa e além de tudo, já tomamos quase todo o estoque do bar, deixa isso pra lá.

Porém, depois de tomar mais uma, me animei e disse a ele: ”sabe de uma coisa? Vamos lá”. Ele ficou bastante animadinho.

Antonucci, apesar dos seus 58 anos era um homem forte, gozava de boa saúde, magro e de cabelos grisalhos. Mas quando ele começava tomar a “Santa Branca” era difícil parar. (Santa Branca era uma cachaça considerada uma das melhores e somente no Bar do Julio é que se podia encontrar essa preciosidade).

Antonucci era um tipo fora do comum, filho de italiano nascido no Brás. Muito experiente e esperto, mas tinha alguns defeitos, por exemplo: não cumprimentava ninguém tocando as mãos. Às vezes, quando acontecia de tocar as mãos por um descuido, rapidamente procurava lavá-las ou arrancava do bolso um lenço para limpar. Também não sentava ao lado de ninguém que não conhecia. Se estivesse sentado em algum banco e viesse alguém para sentar ao seu lado, de imediato ele se levantava. Muita gente não gostava dele, por ser preconceituoso e sistemático. Fora isso, era gente boa. Nós éramos amigos e colegas de pensão, sendo eu, um dos seus poucos amigos admirado por ele.

_Vamos lá, Antonucci. Pegamos o jeep e tocamos rumo á Via

Anchieta. Antes de chegar no pedágio da Estrada, os faróis se apagaram e por sorte, bem junto ao Posto Policial Rodoviário. O Guarda se aproximou e expliquei a ele que era só um problema do fusível, mas que eu ia dar um jeito de consertá-lo. Ele me respondeu que, sem farol, nem pensar em prosseguir a viagem.

Eu já estava acostumado com esse tipo de defeito, por isso não foi difícil tirar o fusível, enrolá-lo em um pedaço de papel alumínio da carteira de cigarros e colocá-lo no lugar. Os faróis se acenderam e mostramos ao Guarda. De imediato ele nos liberou para prosseguir a viagem.

Entretanto, o conserto era apenas um quebra-galho, eu sabia que não ia demorar muito pra voltar a “pifar”, mas esperava chegar em Santos antes que isso acontecesse.

Iniciamos a descida da serra na mais perfeita ordem até que, justamente em uma das curvas da estrada aconteceu o que eu mais temia: os faróis se apagaram novamente.

Era uma noite escura e sem Lua. Continuei dirigindo devagar sem saber onde estávamos, mas não podia parar; já pensou se paro no meio da estrada? Até que resolvi parar sem saber em que parte da estrada eu estava. Ainda bem que naquela hora o movimento da Anchieta era quase nulo, havia poucos veículos descendo a Serra.

Depois de parar o jeep, olhei onde estávamos; quase me deu um troço quando vi que estava fora da curva a um palmo do precipício. Quando mostrei ao Antonucci onde paramos, ele mijou na calça e logo comecei sentir um mau cheiro horrível de feses. Cagou na calça de medo e desandou a chorar dizendo que ia morrer ali, que preferia continuar a pé sozinho continuando a falar outras baixarias.

_Calma Antonucci, você não vai morrer. Eu vou tirar o carro daqui e vou dar um jeito.

De fora do Jeep virei toda a direção para a esquerda, no sentido da faixa da estrada e passei a empurra-lo até ficar a salvo do precipício. Funcionei o Jeep e me arranquei dali para um lado distante do precipício, próximo à faixa lateral da estrada.

Nesse meio tempo a bebedeira já havia passado, só eu não sabia ainda o que fazer naquela escuridão. Mas no fundo me alimentava a esperança de que o problema seria resolvido de um momento para outro. Não dava para fazer outro quebra-galho com o papel alumínio, porque não se enxergava nada e não tínhamos fósforo nem mesmo uma lanterna para clarear a caixa de fusível para tentar o conserto.

Depois de mais de uma hora ali na beira da estrada quebrando a cabeça para tentar encontrar alguma solução, de repente avistei no alto da serra os faróis de algum veículo que descia.

Vamos Antonucci, suba rápido que já encontrei a solução. Mas ele não queria entrar no carro, estava com o maior medo do mundo. Mesmo assim puxei o seu braço para dentro até ele sentar do meu lado. Funcionei o Jeep e fiquei na espera que o outro veículo se aproximasse. Assim que ele passou, coloquei o carro atrás dele, mas com essa eu não contava; o motorista percebendo a nossa perseguição com faróis apagados deve ter ficado com medo, porque aumentou a velocidade e se mandou naquelas curvas não deixando nem rastro. Também não me afobei tirei o pé do acelerador e continuei descendo a estrada bem devagar. A sorte nossa era que àquelas horas, não havia movimento na estrada.

Abri a porta do meu lado e passei a me orientar pela faixa do meio da estrada acompanhando-a devagarzinho, com o pé no freio e a menos de dez kilômetros por hora. O meu único medo era que de repente surgisse outro carro atrás e batesse na traseira. Mas felizmente, isso não aconteceu.

Gastamos quase duas horas para acabar de descer, mas foi assim que consegui vencer a serra sem nenhum acidente até chegar na baixada.

Quando já estávamos livres da serra, o sol começou a dar as caras. Também, Já era quase 6 horas da manhã. Mas o que importava é que estávamos “inteirinhos da silva”,apenas com uma terrível ressaca, dor de cabeça e muita sede.

Antonucci, que nessas alturas também já havia voltado ao normal, falou comigo: Vamos voltar, agora já não tem mais graça.

_Não, depois desta, agora é que temos que continuar, ainda mais você... Precisa urgente de um banho de mar, pra limpar esse traseiro magro que deve estar imundo.

Continuamos a viagem a caminho da praia. Eu já havia até esquecido do mau cheiro que se exalava dentro do veículo, talvez pelo motivo de estar com a porta aberta. Mas ao clarear o dia, fechei a porta e, foi aí que senti de fato o mau cheiro dentro do carro.

Ao chegarmos na praia alugamos um chuveiro no balneário da praia para um bom banho. Eu já havia terminado o meu banho, mas o Antonucci continuava no banheiro. Enquanto ele fazia a faxina corporal, saí para ir ao bar que havia ao lado, sentei num banco do balcão e pedi ao barman:

“Uma “cerva” por favor, estupidamente gelada. Há! Uma pinga antes, para tirar o gelo”.

Luiz Pádua
Enviado por Luiz Pádua em 08/11/2007
Reeditado em 08/11/2007
Código do texto: T728769