Visitas

Sempre gostei muito de ficar sozinho.

Aprecio minha companhia e aprecio a companhia do silêncio, porque posso preenchê-lo como for do meu gosto. Até hoje nunca dividi a casa, apenas recebi poucas visitas. Algumas foram rápidas demais, tocaram a campainha apenas por educação, porque já estavam passando pela rua e decidiram dizer "Oi".

Outras se demoraram um pouco mais: discutimos sobre amenidades, sobre o clima, nossas famílias e os livros que temos lido ultimamente enquanto assistíamos a novela das nove. Essas normalmente se retiram antes que eu possa me propor a preparar o quarto de hóspedes.

Apenas uma quebrou o costume e decidiu ficar não apenas para a ceia, mas algum tempo a mais. Dias e mais dias se passaram. Estava beirando uma união estável, eu pretendia começar a cobrar-lhe que dividíssemos as despesas quando ela levantou acampamento e partiu. Foi estranho; eu já não sabia mais o que era ser eu e mais ninguém. Alguém além de mim mesmo havia gostado da minha companhia ao ponto de ficar, e passamos juntos tanto tempo que eu havia esquecido de passar para me visitar, ver como eu estava e se precisava de algo.

Mas o vazio, na verdade, durou menos do que o esperado.

E aqui se encontrou este que vos fala, desfrutando dos prazeres da mais sublime e confortável solidão.

Até você aparecer.

Veja bem, não me entenda mal; sou completo, feliz e estável. Estar só não é um fardo, mas um proveito. Tudo estava indo muito bem até você acenar pela janela no fim de tarde de uma segunda feira, e dali todos os dias em diante. Sempre com pressa e em completa imersão nas suas tarefas, mas nunca abrindo mão de um cumprimento tímido.

Chovia muito quando te vi, sem agasalho ou guarda-chuva no meio da rua, e decidi convidar-lhe para um café. Chegou a hora de ir embora, o temporal havia cessado e observei enquanto partia. Foi natural e completamente compreensível, não era nada demais.

Estranho foi quando você decidiu voltar no dia seguinte. E depois de novo, e de novo, e de novo.

Em dado momento percebi que estava sempre à espera de sua visita. Arrumei a casa mais vezes por você, tirei do armário alguns bibelôs esquecidos, consertei vazamentos aqui e ali e voltei a cuidar do jardim. Esperar por você me fez admirar a paisagem através da janela que meu individualismo tinha preguiça de mostrar, e abrir para ti as portas deu espaço para que entrasse a brisa cujo toque eu já não me lembrava o quão suave era. Eu, apreciador do silêncio, já não sinto mais prazer nele do que no timbre da sua voz. Nossas conversas, debates, trocas de conhecimento, nossa harmonia, sintonia e singularidade fez com que uma simples passagem rápida ganhasse vida própria e se tornasse maior e mais bonito do que qualquer coisa na qual já coloquei meus olhos (ou meu coração): Nós.

O que estou tentando dizer, é... Gostaria de ficar para o jantar?

viOlarei
Enviado por viOlarei em 19/07/2021
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