CRONICAZICA DE UMA MANHÃ DE CALOR SEM SOL

Faz bem umas duas horas que estou aqui – em outros tempos diria que mordendo a ponta do lápis ou a tampinha da caneta, mas agora não; fico martelando o teclado enquanto ouço Ella, Etta, Billie e Bailey – pensando qual será o texto de hoje. Tem tantos…

O grande xis da gestação de uma crônica acho que reside na indefinição. Pelo menos em mim é assim. Os interesses se multiplicam e a gente fica andando às cegas, tentando dar conta de prioridades que mudam a cada minuto. Quero escrever sobre a morte de Paolo Rossi, ele que tanto mal fez a este coração na naquele 5 de julho de 1982. Também ameacei iniciar um rascunho dando conta de que no enfrentamento da pandemia, o Brasil está na contramão, sem freio, com pneu furado e roda torta. E me parece surreal que o mundo esteja enfrentando a segunda onda coronaviral e aqui nem saímos da primeira. Uma terceira vontade temática seria comentar a partida do Ubirany, “maestro” do Grupo Fundo de Quintal. Só os vi uma vez, lá nos idos dos anos 80, em um show dessas rádios populares dentro do Parque do Carmo. Teve Tim Maia, Fábio Jr e mais uma tonelada de convidados, mas era a minha época punk, e, bebaço, contentei-me em assistir ao (ótimo) show dos Titãs, que vinham com uma sequência de discos densos, poéticos e consistentes, como Cabeça Dinossauro e Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas. Mas quem nasceu na periferia nunca perde o samba do seu horizonte, até porque tem uma linhagem, que passa por Cartola, Paulinho da Viola e Fundo de Quintal, que transforma a simplicidade numa ode à beleza. E mesmo nos momentos de radicalização de minha adolescência, na verdade nunca deixei de gostar de uma boa batucada regada a cerveja, gente bonita, sorrisos e versos como “A amizade / Nem mesmo a força do tempo irá destruir / Somos verdade / Nem mesmo este samba de amor pode nos resumir / Quero chorar o seu choro / Quero sorrir seu sorriso / Valeu por você existir, amigo” (A Amizade).

Pronto! A gente sai tateando a esmo e quando vê, já saiu dez, doze linhas, no improviso, nada do previsto, mas assim mesmo um registro sincero da soma de equívocos de uma manhã de sábado sem sol, sem frio, sem chuva, apenas um mormaço pesado e sufocante.

E, ah, quase ia esquecendo, no caso do veículo desgovernado, o motorista quer matar todos os passageiros, e salvar apenas sua própria família e alguns amigos. Portanto, sempre que possível, fiquem em retiro, pois já contamos mais mortos por covid 19 que numa guerra.