PELO RETROVISOR

Hoje, em virtude de alguns compromissos ocasionais, tomei um caminho diferente.

Não sei ao certo se o caminho era diferente ou eu que já não sou mais o mesmo.

Acomodado no banco do carona pude novamente contemplar alguns dos caminhos que trilhei durante a minha infância. O caminho era o mesmo, embora hoje sejamos tão diferentes.

Embora conhecido o caminho, olhei para as ruas e as casas como se fosse a primeira vez em minha vida que estivesse ali.

Talvez a rua, se possível, expressaria o mesmo espanto a me ver tão diferente.

Não mais os pés descalços. Não mais o rosto infantil. Não mais a mesma expressão.

Cada caminho trazia lembranças do menino que um dia fui. Em poucos instantes estava eu no campinho da rua, com o meu velho par tênis jogando bola. O guri arteiro com a mochila às costas indo para a escola.

A rua já não carrega a mesma fisionomia. A padaria hoje é uma igreja. A vendinha onde comprava figurinhas transformou-se em uma lan house. Em nada lembra a rua onde caminhei na minha infância.

Não fosse saber seu nome, diria que jamais havia cruzado por aquela rua.

A rua também demonstrou espanto em seus gestos. Acenou-me distante através de um galho florido, ainda com dificuldades para me reconhecer.

Depois do gesto tímido, seguiu em silêncio...

Também não disse nada, era um encontro ocasional. Não havia preparado um discurso para aquele momento.

Tantas vezes andei por ali e hoje, depois de tanto tempo, encontro este espelho diante de mim. De repente, sem roteiro, totalmente de improviso, sou posto frente a um espelho que reflete quem já não sou...

Cruza diante dos meus olhos o guri das bolinhas de gude, das coleções de figurinhas para os álbuns, dos jogos de bola no campinho.

Mas como sempre passa correndo. Não tenho tempo para chamá-lo. Seu apelido foge dos campos da minha memória.

Não me acenou. Ainda o mesmo jeito tímido, o cabelo desgrenhado, as roupas desalinhadas, as calças com remendos nos joelhos. O mesmo dos retratos.

Queria chamá-lo para dizer-lhe que continua o mesmo...

Desvio meus olhos alguns segundos para o retrovisor do carro. Quando percebo o menino já passou...

Dobramos uma esquina e torno a pensar nos documentos que preciso assinar...

@oantonioguadalupe