AS CRISES DA VIDA

Estive por algum tempo ausente desta página em razão da preparação da obra As Crises da Vida, um a relato de fragmentos de memória em forrma de pequenas crônicas que me restaram no curso dos anos. A partir de hoje retorno, com a publicação de algumas delas, sem sequência cronológica de narrativa, embora seguindo as fases existenciais que denomino de crises.

“ AS CRISES DA VIDA"

Todos nós passamos, à medida que os anos avançam, por determinadas fases da vida, que nos afetam psicologicamente. Às vezes as percebemos, outras, somente passados os efeitos, verificamos tê-las vivido.

No meu caso particular, não vivi, ou não me dei conta da chamada fase crítica da adolescência. Talvez não tivera tempo de vivenciá-la ou percebê-la.

Logo aos quatorze anos enfrentei o trabalho rude, e aos dezessete,

idade da rebeldia, ao invés de acompanhar as mudanças ou os pré-movimentos que eclodiram na juventude dos anos sessenta, adquiri o hábito da responsabilidade, ao assumir a administração de um contingente de setenta e cinco operários braçais, para os quais tinha também de providenciar a alimentação para si e suas famílias. Nessa fase, servi ao exército, quando consolidei minha formação para a vida.

Hoje, pergunto-me: teria sido então a crise da responsabilidade?

Na fase etária seguinte, conclui o primeiro grau aos vinte e dois e o

segundo aos vinte e cinco. No mesmo ano, ingressei na Universidade e

conclui o curso de direito aos trinta. Assumi o primeiro emprego regularmente registrado; casei-me pela primeira vez aos vinte e três, submeti-me a vários concursos públicos, sendo aprovados em todos. Optei pela nomeação para o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE, de onde sai para ingressar na magistratura do trabalho, onze anos após.

Se tivesse de atribuir nome a esta fase, chamaria da preparação para o futuro.

Dos trinta aos quarenta, ganhei, por adoção, a primeira filha aos trinta e um, obtive a segunda formatura (jornalismo), aos trinta e quatro e tomei uma decisão que iria servir de norte para o resto da vida, tanto sob o ponto de vista pessoal, quanto profissional.

Por uma dessas coincidências inexplicáveis, busquei tratamento médico para uma úlcera que me abalava à saúde e perturbava minha vida por mais de dez anos. Na ante-sala do médico, em Recife, li no jornal a notícia de prorrogação, por sessenta dias, das inscrições para o concurso de Juiz de Trabalho Substituto, que seria realizado pela primeira vez no Brasil.

Após ouvir do médico, Dr. Djalma Vasconcelos, um dos melhores

em gastro-enterologia, no Nordeste, que se não mudasse ou realinhasse o sistema de vida, estaria sempre propenso á uma recidiva do mal que me afligia.Ante tal diagnóstico, lembrei-me durante a viagem de volta da reportagem do Diário de Pernambuco e então tomei a decisão de fazer o concurso para ingresso na magistratura trabalhista. Ato contínuo encerrei as atividades no escritório de advocacia, que rendia muito trabalho e pouco dinheiro; estudei sessenta noites das oito às três da madrugada; submeti-me às provas no Recife, com mais dois outros potiguares, Josué Maranhão Filho e Tarcisio de Miranda Monte. Fomos aprovados juntamente com outros seis dos Estados da Paraíba, Pernambuco e Alagoas.

Reputo o fato como marcante na minha vida porque, ao me decidir pelo ingresso na Magistratura, resolvi ser, além de tudo, um bom juiz. E para tanto, teria de refazer alguns valores e conceitos cultuados e seguidos até então. A partir dessa decisão, procurei entender e admitir as pessoas como elas são, sendo mais flexível no convívio pessoal e profissional. Como complemento, procurei agir em todos os atos da magistratura ou da vida pessoal, além da responsabilidade, já incorporada, um sentido social e de justiça.

Após trinta e cinco anos na carreira, posso, sem falsa modéstia, afirmar ter sido um bom juiz.

A esta fase, chamaria de crise de identidade.

Aos quarenta, cheguei sem me dar conta das mudanças psicológicas, pois conforme afirmei no início, a consciência sobre elas geralmente aflui quando já as temos ultrapassado. E foi isto que ocorreu. Em primeiro, uma distonia neurovegetativa (esse o diagnóstico dado depois) quase me leva (se é que não levou) a um estado depressivo, somente curado com a determinação de vencê-lo “na marra”, ante a conclusão do diagnóstico médico de que aquela doença não me levaria à morte.

Esta certeza, ou quase certeza, curou-me e me fez entrar em outra fase, embora dentro da mesma crise: a da afirmação como pessoa.

Já professor universitário, além de juiz, capitaneei um grupo de universitários ao interior do Estado da Bahia e, no ano seguinte, ao do Mato Grosso, ainda unificado, e de lá voltei com a barba crescida. Se aos dezessete anos, como afirmação juvenil passei a conservar as penugens transformadas com o tempo num espesso bigode, a conservação da barba aos quarenta, atribuo a uma outra auto afirmação, agora comandada pelo inconsciente como resposta à maturidade.

Viver meio século já é de bom tamanho. Passar desse marco constitui

uma façanha que deve ser valorizada, curtida, aproveitada nosmínimos

detalhes. Em sendo homem, o pressuposto é já haver alcançado um

nível de satisfação pessoal compatível com a situação econômica, financeira e existencial. Sendo mulher, a satisfação poderá advir da criação dos filhos, curtição dos netos, quando os tem, também da realização profissional.

Se não conseguiu sucesso no plano existencial poderá ser marcada pela frustração de não haver encontrado sua alma gêmea, ou se decepcionado por uma má escolha. A situação de cada qual definirá o tipo, a natureza e a extensão da crise que a partir desse ponto irá comandar sua vida.

Marcaram minha vida, a partir dos cinqüenta anos, algumas conquistas

pessoais no campo profissional, como duas pós-graduações em Direito; publicação do primeiro livro, reconhecimento profissional pelo alunado do Curso de Direito, como professor responsável, exigente, porém dedicado à cátedra; ingresso na segunda instância; intensa participação profissional no campo do Direito do Trabalho, ingresso em respeitáveis instituições desse mesmo ramo do Direito, nacionais e internacionais; Vice Presidência e Presidência de uma Corte de Justiça de Segundo Grau; atuação durante seis meses no TST como juiz convocado; chegada da segunda filha etc.

Essas mudanças as classifico como crise existencial positiva.

Tive, porém, crise no campo da saúde. Com cinco riscos de vida (os

noticiários da TV, chamam “risco de morte”), em dois anos, por coinci

dência, no período em que exercia a Presidência do TRT da 13ª Região-

João Pessoa, Pb.

Os adeptos do sobrenatural e de uma corrente espírita me asseguraram tratar-se de “coisa botada”, “trabalho carregado” e outros do gênero. Yo no creo in bruxas, pero que las ay, las ay.”, diriam os de língua espanhola.

Em três dos cinco riscos, a intervenção eficiente da medicina evitou minha ida antecipada para o outro lado. Para os outros dois, não há explicação dentro da ciência médica, o que reforça meu convencimento de que alguém lá em cima (sei quem é, porém não digo), cuida de mim. Em outras palavras, meu anjo da guarda é forte e está sempre atento. Por duas vezes a noticia de morte foi divulgada, infelizmente sem fundamento.

Por duas vezes recusei morrer. E deu certo. Explico: morrer é bom. A

sensação é agradável. O individuo é invadido por um certo torpor que

lhe consome as forças, alivia gradativamente a dor e abala os sentimentos de sobrevivência. Este é o perigo principal. Hoje, creio que muitos morrem porque aceitam pacificamente essa situação. Por comodismo ou outro fator existencial ou familiar a erodir a vontade de viver. E como não os tinha, num último esforço, resolvi por fim, não à vida, mas àquela agradável situação que estava vivenciando. Preferi continuar no enfrentamento das procelas da vida. A pronta interferência médica cuidou de fazer o resto.

A partir desses atropelos de saúde, cheguei à conclusão de que já tinha entrado no “cheque especial da vida”, e deveria fazer umas reflexões, ou um realinhamento da sua filosofia. Nesse caso, repensando, mais uma vez outros conceitos e valores ainda incorporados no meu sistema de vida. Do pensamento, passei à ação, e como decisão primeira resolvi ser mais egoísta, já que todos nós temos um pouco desse defeito, uns mais, outros menos.

Entendi, certo ou errado, que passara a vida preocupando-me com a

sorte e o destino dos outros. Agora seria a vez de cuidar de mim. Por

razões, que não interessam ao leitor, rompi uma estrutura familiar de

trinta e cinco anos, o que não se faz sem sacrifícios, ante os traumas pessoais em relação aos filhos.

Por coincidência, acaso, ou mesmo direcionamento das forças superiores do astral, conheci uma mulher mais jovem do que eu vinte e oito anos, na cronologia etária, porém compatível com meus anseios, meu novo modo de encarar a vida, minha capacidade de satisfazê-la como homem, companheiro e amigo. Nesses quinze anos de convivência não surgiram conflitos de geração que pudessem afetar um relacionamento harmonioso entre os componentes da nova família. Essa vitória credito, em grande parte a Rafael e Ricardo, os filhos que chegaram a mim aos oito e dez anos, respectivamente,

mas, jamais ofereceram qualquer obstáculo para uma convivência

respeitosa, guardada a natural resistência inicial da substituição da figura do pai, por um estranho.

Essa crise chamaria de “ despertar de uma nova era”.

À parte o lado bom dessa crise existencial, a década seguinte, dos sessenta aos setenta, proporcionou-me duro golpe no campo profissional, administrativo e moral. Respeitado como cidadão, magistrado, professor, profissional do Direito do Trabalho, de repente, por questões de política interna do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, em João Pessoa, Pb, fui afastado do cargo durante três anos e quatro meses ( junho/97agosto/2000), finalmente absolvido à unanimidade pelo colegiado do TST, das acusações inverídicas e dos vilipêndios lançados contra mim.

Contraditoriamente, fui penalizado com a perda dos meus direitos políticos, como juiz, com a proibição de ser votado, caso fosse a vontade dos meus pares reconduzir-me à Presidência do órgão.

O importante é haver retornado à atividade jurisdicional onde

permaneci por mais três anos até atingir a idade limite dos setenta anos. Não sei se por reconhecimento da injustiça sofrida, não sei se por reconhecimento dos valores sempre cultuados, o certo é que nesses dois anos, dos trinta e cinco que dediquei à Justiça do Trabalho, dezoito na segunda instância, jamais fui tão respeitado pelos meus pares e servidores. Aliando à condição de decano da Corte ao relacionamento amplo, aberto, flexível com todos, somente recebia em retribuição, manifestação de carinho, apreço e respeito.

A Sessão Solene de minha despedida ficou marcada pelo grande comparecimento e clima de festa. A formalidade do ato foi quebrada ao final, com a execução entre outras músicas próprias para essas ocasiões, da linda canção de Gonzaguinha “viver e não ter vergonha de ser feliz.”. Já aposentado, a Corte instituiu o “Premio Eficiência Juiz Aluisio Rodrigues” a ser outorgado aos servidores que melhor se destacarem durante cada ano no exercício de suas funções.

A sessão de primeira entrega repetiu toda a manifestação de carinho e apreço da sessão de despedida. A Diretoria da Amatra 13ª na Administração de Herminigilda atribuiu o meu nome à Biblioteca da Escola da Magistratura Trabalhista.

Finalmente, embora recuando no tempo, no dia da solenidade de despedida, houve um jantar de adesão com um comparecimento de mais de quatrocentas pessoas, nos salões do melhor ambiente festivo da cidade de João Pessoa: “ O Paço dos Leões.”.

Eis o projeto que havia formulado e a preguiça ou comodismo impedia

sua execução. Faço-o agora, e o eventual leitor terá neste pequeno intróito uma noção geral do projeto, decidindo se valerá (ou não) a pena continuar a leitura.

O autor

Biuza
Enviado por Biuza em 14/11/2007
Código do texto: T736483