A resposta do cajueiro

Ano passado meu pai quis cortar o pé de caju. No ano anterior já havia dado fim ao pé de romã. Tive pena, afinal árvore é vida. Mas nada fiz.

A romã não é uma boa fruta para consumo, sua árvore não fazia sombra, apenas espalhava as folhas que "sujavam" o quintal e entupiam o ralo. Cortou-se. Ficou o toco, enraizado no cimento que aos poucos vai afundando e formando buracos. Talvez em resposta ao ato impensado e cruel. As raízes mostram-se revoltadas e vingam-se. Ou não.

Noves fora as romãs, chega a vez dos cajus. A árvore é imensa, cheia de galhos e folhas grandes. Mas a produção é escassa, aparentemente o pé está doente. O valor é pouco. Dia de chuva e vento e as folhas causam um trantorno, entupindo o ralo e fazendo inundar o quintal.

Meu pai sentencia:

_ Vou cortar esse pé de caju! Não aguento mais tanta sujeira.

Umas poucas frutas colhemos dela algumas vezes. Sem graça, "apertosa"(sensação de contração e ressecamento das camadas internas (bochecha) da boca como quando se come fruta verde), sem o adocicado gostoso do caju. Tantas vezes desdenhei dos seus frutos, fiz pouco, não dei a mínima.

Mas muitas vezes estive sobre ela, em brincadeiras com os pequenos. Do tipo: _ Olha! A mãe também sobe em árvore! A pobre suportava meu peso, meu desdém, minha indiferença.

Não deixei que se cortasse. Não elenquei seus tantos valores nutricionais, ou ambientais. Nem o fiz por pena à vida que pulsava ali. Apenas não deixei que se cortasse. Além disso, sua sombra me era muito útil em dias de sol, refrescava minha cozinha, isso bastou para que eu evitasse o ato.

Este ano ela está aqui, refrescando minha cozinha.

E me parece agradecida pelo cuidado em não deixar que se fosse.

Nos brinda docemente com maravilhosos frutos, há mais de um mês estamos colhendo talvez a maior carga da vida deste cajueiro. Nunca comi tantos cajus e tão saborosos. Até os pássaros parecem agradecidos.

Todas as manhãs sou abençoada pelos mais belos acordes e as mais doces melodias que se possa imaginar.

Talvez ela não estivesse doente afinal. Talvez sofresse de indiferença, de falta de carinho, de falta de vida. De vida sobre seus galhos, em seu redor.

Está agradecida quando eu é que deveria agradecer-lhe. Pela sombra, pelos frutos, por abrigar os pássaros que me encantam, pelo ar menos poluído, pela vida que doa de bom grado.

Diante do cajueiro sinto-me pequena, envergonhada, mas feliz.

Feliz como os pássaros que brincam em sua copa, ou as abelhas que se alimentam do mel de suas frutas.

Monica San
Enviado por Monica San em 14/11/2007
Reeditado em 14/11/2007
Código do texto: T736962
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