Sobre Itabira.

Desde a juventude carrego um sentimento secreto: vontade de conhecer Itabira. Ainda não pude chegar lá, mas, nessa encarnação, darei um jeito de, um dia, colocar os pés e a alma na terra de Carlos Drummond de Andrade.

Essa cidade, para mim, mesmo tão distante, sempre foi sinônimo de paz interior, de bem aventurança, de um sentido apaixonado pela vida. Nem sei explicar. Possivelmente porque Drummond assim se traduziu para mim nas longas leituras que tive o privilégio de fazer e aprendi a dividir sonhos e esperanças.

Certa feita, escrevi para o meu poeta e lhe enviei o meu primeiro livro, escrito com colegas, nos longínquos tempos de universidade. A resposta que ele me enviou marcou minha história de vida. Percebi que eu valia alguma coisa. Que tinha recebido atenção e amparo intelectual de um verdadeiro mestre. O cartão que Drummond me enviou está guardado junto de outros documentos igualmente significativos, como correspondência do Frei Beto, do Presidente Lula e de Eduardo Suplicy.

Eu ainda me lembro, no meu segundo ano de ensino médio, entrou em sala uma professora de Literatura. A primeira coisa que ela disse foi: “eu sou de Itabira” e sabíamos a importância disso. Passei a apreciá-la de primeira hora.

Mas ontem, lendo os jornais, percebi um caso exemplar de barbárie. Um bípede fardado colocando o joelho no pescoço de uma mulher pobre, negra e com um filho pequeno no colo.

Eu me recusei a assistir o vídeo tamanho asco que senti! E, mais uma vez: uma mulher, negra e pobre sendo aviltada, humilhada, lançada ao brejo da vida diante dos filhos pequenos.

Ainda não encontrei adjetivos para a situação. Eu me sinto incapaz. Raiva? Indignação? Nojo? Desespero? Desesperança??? Provavelmente tudo junto, num amálgama de contrariedade por ter a certeza de que o meu país está mergulhado no luto. No luto e no lixo. O luto na ética, na moral, na dignidade, no altruísmo. O lixo da violência normatizada e aplaudida por milhares de bípedes relinchantes.

Será que aquele ser que se sustenta sobre um par de patas conseguiu dormir? Conseguiu. Será que ele se achou certo o que fez? Achou. Será que um dia terá remorso? Acredito que não.

Jamais precisamos tanto da arte, do engajamento, da consciência crítica, da criatividade como agora para nos libertarmos da insanidade. Onde os pais que ensinam o respeito? Os professores? Onde os programas televisivos a reclamar reflexões? As igrejas????? Meus Deus, onde estão as coisas tão necessárias para a nossa sobrevivência física e psicológica?

“Oh, Deus, onde estás que não respondes?”, questionaria o nosso Castro Alves.

Com dor, vamos resistir à trapaça, ao maligno, a todas as formas de crueldade. Sejamos dignos da ética e tratemos de lutar por ela sempre, no cotidiano, nas nossas afirmações, nas nossas buscas e reflexões. Que saibamos deixar heranças.

Que não seja Itabira apenas um retrato na parede, como dizia Drummond. Que seja bela, autêntica, respeitosa. Que Itabira honre o nome do seu poeta, que muito se indignava com as dores do mundo, que gritou contra todas elas com muita elegância e sabedoria. Que o coração itabirano seja abençoado e não aceite – jamais – o absurdo como molde do tempo.

Nem Itabira nem esse país, que ainda espero que sobreviva.

Choro pelo que ocorreu em Itabira. Que aquela sociedade não aplauda o dissabor, o pesadelo, a penúria da alma. Mas que reaja com coração sangrando mas vivo e intenso.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 07/11/2021
Reeditado em 07/11/2021
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