PATO ASSADO COM LAMBORGHINI

O começo em qualquer profissão não é fácil e com a advocacia não é diferente. Antes de montar o meu escritório e ter liberdade para trabalhar (ou evitar a fadiga como diria o Jaiminho carteiro), tive que me sujeitar a trabalhar para outros escritórios.

O primeiro escritório que eu trabalhei era um ambiente alegre e descontraído. Foi uma experiência de muito aprendizado, mesmo assim não completei um ano de trabalho lá, acabei saindo em busca de outras oportunidades na capital.

No escritório que trabalhei logo em seguida, embora pagasse melhor, meu trabalho consistia em saber fazer cópia e cola de petições com adaptações para o caso concreto. Não fiquei nem uma semana lá, mas entendi porque perguntaram se eu gostava de montar quebra cabeça na entrevista de emprego.

De volta a Pelotas, trabalhei noutro escritório, experiência que durou alguns poucos meses. Neste período de trabalho entendi o que Zeca Baleiro queria dizer ao cantar que despediu o seu patrão porque ele roubava o que ele mais valia...

É uma falsidade integrar a equipe de um escritório como um advogado associado quando te exigem exclusividade. No contrato de trabalho te concedem liberdade de atuação, mas querem que essa liberdade seja exercida apenas para os clientes do escritório. Uma liberdade profissional semelhante à de um cachorro preso pela corrente no vai e vem.

Embora não tenha ficado muito tempo, neste escritório cheguei a participar da festa de final de ano, onde fui presenteado com um vale compras de 200 reais na Lojas Krause. Foi a única vez que comprei alguma coisa lá, além do vale presente precisei completar com mais 300 reais para comprar o tênis mais barato da loja.

Neste escritório houveram dois episódios que me deixaram claro que receber ordens não era o meu forte. A primeira foi uma vez que eu tinha uma audiência em Bagé, o sócio do escritório, disse que eu poderia escolher se eu iria para audiência com o meu carro, de ônibus ou ainda com o carro da empresa.

O problema era que a empresa exigia que eu fosse com o carro deles, um fiat uno, e o motivo: tinha um material de obra para levar para a outra cidade. Fiquei indignado de me usarem para fazer frete para a empresa, isso era uma afronta com a minha dignidade profissional e acima de tudo, acúmulo de função.

Mas a gota d’água pra mim foi quando um dia, no final do expediente, aparece o sócio do escritório, feliz da vida com o seu iphone de última geração na mão pra mostrar pra mim e outro colega um vídeo no youtube.

No vídeo em questão um desocupado com muito dinheiro teve a “brilhante” ideia de assar um pato com o fogo que sai do escapamento de uma Lamborghini. Então durante alguns minutos, que pra mim pareciam uma eternidade, eu tinha que assistir ao vídeo e fingir interesse, afinal, era o meu chefe.

Pra ser sincero quando ele entrou feliz da sala falando que haviam assado um pato com uma Lamborghini eu pensava “não sabia que a Lamborghini fazia forno, deve tá querendo concorrer com a Yamaha que faz teclados e motos.”

Quando me dei conta do que se tratava, eu pensava enquanto o vídeo rodava: “O que eu tô fazendo da minha vida? Esse cara feliz que tem um imbecil assando um pato com um carro de um milhão de reais é o meu chefe. Essa é a pessoa que paga o meu salário todo mês. Ou seja, se eu trabalhar duro durante muitos anos posso realizar o sonho desse idiota de assar um pato numa Lamborghini.”

Neste momento eu me dei conta que pra mim não dava mais para continuar lá, precisava pedir demissão. Estava decidido, esperaria alguns dias pra não dar na cara que o motivo era o vídeo e pediria as contas.

Depois de rodar o vídeo, sem desfazer o sorriso de felicidade do rosto ele perguntou pra mim e pro outro colega o que tínhamos achado. O outro cara gostava de carro e falou alguma coisa de cavalos de potência, ou qualquer coisa do tipo. Quando ambos me olharam, esperando minha resposta tudo que consegui pensar foi:

-É a air fryer mais cara do mundo!

@oantonioguadalupe