E das lembranças fez-se o abraço.

Teve um tempo. Um tempo. Para mim era o tempo das imensas dúvidas que costumam assolar um coração adolescente. Eu precisava ser gente. Simples assim. Sabedora das minhas dificuldades em garantir a existência, eu estudava e fingia saber muito. Era a forma consciente que eu tinha de estar no mundo, de ter algum sentimento de pertença num tempo marcadamente sombrio. Eu precisava que alguém me admirasse e então eu pensava: tenho que saber! Seria essa a única forma de eu conseguir algum respeito!!!

Sombrio porque vivíamos os anos 70, com as tensões, o medo, a ansiedade pelo futuro inundando nossas almas. O medo do vestibular. Eu tinha que passar. E tinha que ser na USP. Caso contrário não teria como me manter numa universidade. Nem em pensamento.

Os segundos eram contados. Eu tinha que passar! Não haveria outra hipótese. No ano seguinte eu teria que começar a trabalhar. Urgência ao extremo.

No colégio, muita gente boa! Foi invejável aquela relação de honestidade vivenciada naquela única turma de terceiro colegial (era assim que se falava) no Colégio Metropolitano no bairro do Paraíso, bem ali, saindo da estação do metrô. Todos os colegas me deixaram saudades, um enorme sentimento de respeito e desejo de reencontro.

Uma colega: Adriana. Muito me chamou atenção a Adriana: cordata, simpática, gentil. Muito elegante, diferentemente da maioria de nós, que gostávamos de esbanjar roupas velhas, muito usadas, como sinal de irreverência. Jamais a ouvi falar mal de alguém. Antes, muito correta nas atitudes e com uma educação requintada. Um humor razoável, pontual. Adriana me estimulava a ser mais culturalmente e admirava isso sinceramente. Tivemos uma amizade que chegou a durar um bom tempo, não sei precisar.

Em janeiro de 1982 eu fui ao seu casamento, com muito gosto. Foi bem no dia da minha formatura na faculdade. Aliás, uma formatura apenas protocolar, sem festa, sem brilho e abraços. Fui acompanhada apenas pela minha irmã. Saí de lá às pressas para ir ao casamento da Adriana e do Cláudio. Foi uma cerimônia memorável! Uma recepção também muito agradável no Clube Português. No dezembro do mesmo ano foi a vez do meu casamento e lá compareceu o casal. Recebi os cumprimentos e não nos vimos mais. Algumas cartas foram trocadas a partir do momento em que resolvemos nos mudar de São Paulo para Florianópolis. Ela teve os filhos, eu tive o meu e ela, com gentileza, enviou para o meu Vinícius, via correio, um macacãozinho branco, lindo.

E eu, cá na Internet, procuro com frequência os nomes das pessoas que me fizeram bem, que tive alguma convivência saudável, que deixaram marcas indeléveis no meu coração. E justo ontem percebi a notícia do falecimento do marido da minha amiga tão querida.

Que dor que senti! Senti por ela uma dor inenarrável, contorcida, amargurada!!! Quase 40 anos de união e a COVID o levou...

Relembrei bons momentos, situações engraçadas. Ela não me julgava pelo meu nervosismo, pela minha ansiedade crônica e suicida naquela situação emocionalmente miserável que eu vivia. Adriana simplesmente era! Jamais disse que eu estava errada, neurótica demais, que eu teria que mudar, ser feliz, essas coisas. Não! Ela simplesmente me aceitou e me acolheu na minha tormenta inigualável e poucas pessoas poderiam imaginar o drama que eu estava vivendo.

Eu gostaria de abraçar essa amiga, agradecer muito pela sua presença, pela segurança que ela demonstrou nas coisas da vida. Retribuir a gentileza do sorriso, reconhecer a grandeza da sua alma. Adriana vivia e eu sei disso. Conversávamos pelo telefone e ela sempre foi ponderada nas suas falas.

Imagino a sua dor, amiga!!! E eu me vejo com a alma doída por você, com uma madrugada muito mal dormida e pensando na sua angústia. Eu bem que gostaria de falar com você, ouvir você, saber como anda o seu coração. Depois de tantos anos de ausência, eu gostaria de me fazer presente, de olhar prá você e poder dizer: acredite na beleza do reencontro! Mantenha a alma serena como sempre. Quem sai dessa vida apenas tirou férias. Você ficou com os filhos, os netos, as boas lembranças, as conquistas, os sonhos partilhados. Vocês viveram e isso é maravilhoso e eterno. Nada é perdido para sempre. E continue cultivando a paz e que o perfume do manacá inunde as suas almas.

Com o meu sincero respeito, amizade e gratidão a você, Adriana Renata Alves Bozzo.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 23/11/2021
Reeditado em 23/11/2021
Código do texto: T7392305
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