Banco vermelho

Ao entardecer, já mais noite do que dia, fazia 17 graus em uma cidadezinha que costuma estar sempre em torno dos 28ºC. Mantenho meus braços, gelados e trêmulos, cruzados na frente do corpo. Caminho lentamente pela beirada da humilde floresta que cerca o gramado nos fundos de um conjunto de prédios. Ali, dezenas de árvores e um solitário parquinho com cercas coloridas e iluminado apenas por alguns postes. Atravesso o pequeno portão de entrada e busco o banco de concreto mais próximo. Escolho o amarelo. Ao lado dele, um outro, vermelho e desbotado. Alguns anos atrás, fizemos juntos esse mesmo trajeto, escolhemos o banco vermelho (na época, perfeitamente pintado e brilhante) e nos deitamos lado a lado para assistir as estrelas cintilando no céu. Alguns anos depois, cá estou eu, incapaz de encarar as marcas do tempo naquele simples banco sem me perguntar o quão marcados nós dois também fomos.

Sempre fui muito apegada a memórias e histórias. Como uma boa apreciadora de romances estranhamente clichês, não costumo gostar da parte clássica dos filmes onde tudo começa a dar errado, para só depois o rapaz pegar um táxi na movimentada Nova York e impedir sua amada de embarcar naquele voo para outro país. O que dá errado geralmente é doloroso. Percebo que as pessoas nos filmes conseguem interpretar um sentimento tão ruim, e eu gostaria de conseguir interpretar calmaria e plenitude diante dos sentimentos dolorosos.

Porém nunca fingi bem, pelo menos não para você. Aposto que você sabia que eu não podia estar mais feliz quando me tirou para dançar no meio de uma peça de teatro ou em pleno restaurante em um bairro turístico do Rio de Janeiro, mesmo que eu jamais me propusesse a dançar em público. Você sabia que o mundo parou de girar quando corremos na chuva e você me beijou antes de se despedir, mesmo que eu detestasse te ver indo embora. Sabia que eu me senti aquecida quando saí do mar, tremendo de frio, tarde da noite, e você me esperava na areia segurando pacientemente uma toalha, me repreendendo por ter ido fundo demais. Sempre fui fundo demais com você, porque sempre soube que teríamos um porto seguro ao emergir. Não sei ao certo quando foi que isso mudou.

Os dias têm sido estranhos. Vez ou outra ouço tocar a música que sempre escutava no caminho para a sua casa, e faz um refrão inteiro que entrei na rua errada e não sei por onde retornar. Talvez seja melhor assim, porque tenho medo de me aventurar em busca da cidade que construímos em terreno instável e descobrir que seu fim foi tão trágico quanto o de Atlântida. Gostaria de deixar que o curso da água levasse as memórias para longe, mas acredito que nada morre enquanto é lembrado. Se eu abrir mão dessas memórias, quem nos manteria vivos?

Ouço passar o vento e ele me traz à realidade. O banco vermelho continua desbotado, e eu sinto frio demais para continuar aqui.

viOlarei
Enviado por viOlarei em 24/11/2021
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