Nossos defeitos

Nas minhas caminhadas de manhã, aproveito e compro o pão na padaria. Lá é parecido com salão de barbeiro, muitas conversas jogadas fora, muita gente conhecida, encontro com meu amigo Onofre, cara que gosta de conversar muito e esse dia ele ainda estava inspirado. Me pergunta rápido e rasteiro:

--- você é capaz de falar os seus defeitos?

Logicamente que respondo também direto:

--Eu?... Lógico que tenho defeitos sim, e aos montes, no decorrer deste relato você vai confirmar se são defeitos mesmo, eu acho que sim. Não estou me referindo a matar ou roubar, nem desejar as coisas alheias. Esses pecados eu não carrego. Desejar ter mais dinheiro sim, não vou negar, porque esse salário de aposentado!... o nosso Brasil continuando com essa má distribuição de renda.

Onofre, gozador como sempre, dá sua reflexão:

--- ah! Lourenço, alguma coisa eu acredito, você não matou nem roubou, mas desejar outras coisas mais!... você sendo escritor, não ganha pro gasto?

Dois livros publicados, vários textos editados, agora vem me falar que não entra dinheiro nisso?

Eu respondi pro meu amigo palavras realmente sinceras, talvez ele estaria por dentro do que é entrar no meio literário principalmente no nosso Brasil:

---Onofre, escrevendo me sinto idealizado, a melhor recompensa é quando sentimos que dão valor nos nossos trabalhos literários, que maravilha nos comentários, mesmo aqueles críticos, ao percebermos que alguma crítica é realmente para tentar nos alertar sobre alguma coisa que exageramos nas análises e outros erros também. Escrever é interagir com as coisas existentes, um diálogo com a gente mesmo, ao mesmo tempo conversar com aquele que está nos lendo. A definição em escrever são muitas, infindáveis, porque se lida com vários seres humanos, cada um com suas personalidades diferentes. E ganhar dinheiro escrevendo, pelo menos no nosso Brasil é difícil!

Senti que o meu ouvinte ficou um pouco por fora de minhas explicações, e ele volta a perguntar:

--- e os seus defeitos pode citar alguns?

--- olha, uns de meus defeitos que considero crucial é não gostar de ver defuntos, fico completamente desconcertado. Lógico que muitas vezes não posso fugir, tenho que enfrentar. Numa certa ocasião, faleceu um conhecido, desses que não teria como deixar de vê-lo. Eu fui com meu irmão na funerária, chegando lá, meu irmão com toda cerimônia depois de dar os pêsames para os familiares, aproximou do defunto, ficou alguns longos segundos observando-o. Eu segui os passos dele, cumprimentei os familiares, mas nada de olhar para aquele que já mais existia. Ao sairmos, meu irmão, apesar de ser mais ou menos uns 4 anos mais novo do que eu, me passa um sermão:

--- puxa vida, Lourenço, quando a gente vem a um funeral, devemos principalmente ver o defunto, ficar ali alguns momentos com ele, você nem chegou perto dele!

Eu respondi com toda minha convicção:

--- ah! Everildo, ver defunto procuro não ver. até quando você morrer eu não vou te olhar.

Ele me responde com toda sua certeza:

--- ah! Duvido, porque você é que vai morrer primeiro do que eu!...

Passado uns tempos, infelizmente meu irmão faleceu.

E é assim, meu amigo, Onofre, não consigo mesmo lidar com a morte, não sei como vou fazer quando eu morrer. Até que tiver que comer alguns alimentos num funeral, eu não consigo. Já foi pior pra mim, há uns tempos atrás nas minhas refeições não tolerava os assuntos de defuntos na mesa. Minha esposa ri de mim pra caramba por não aceitar os procedimentos em alguns funerais em servir salgados, até almoço para aqueles que estão velando os que já não fazem parte dessa vida, e também se tivesse que morar perto de um cemitério, o tormento seria atroz. Não vou alongar muito, mas minhas histórias sobre as mortes são muitas.

Onofre me ouvindo, parecia que estava duvidando de minhas manias, ou concluía que eu estava debochando dele, porque ele já tinha sido coveiro, trabalhou em funerárias, de defuntos ele sabia de cor e sorteado, até preferia, fazer suas refeições perto daqueles que estavam num silêncio sepulcral!

Ele despede de mim com sua cara de desconfiança.