A questão do semancol

Se há algo com que todos nós devemos concordar é que muitas pessoas não têm semancol. Quanta gente que chega e mete opinião no que não é da sua conta, fica nos puxando para conversar quando queremos fazer coisas como ler ou assistir a um filme ou então – aqui no Recanto das Letras – entra na escrivaninha de quem pensa diferente e fica fazendo proselitismo ou até atacando o autor da escrivaninha por causa de suas crenças ou descrenças.

O que diríamos de um autor ateu ou agnóstico que entrasse na escrivaninha de um católico ou evangélico dizendo que sua crença está errada, que lhe faltam bases teóricas melhores e chegando ao ponto de sugerir a leitura de livros escritos por autores ateus como Deus, um delírio (de Richard Dawkins) ou então o Fim da fé (de Sam Harris)? Não teríamos que concordar que esse tipo de pessoa é desprovido de semancol? Eu jamais entraria na escrivaninha de quem pensa diferente de mim dizendo-lhe que seus pensamentos e crenças estão equivocados nem faria longos comentários defendendo meu ponto de vista tentando convencer a acatar aquilo que eu penso. Penso que isso é falta de bom senso e educação.

Eu não acredito que estamos vivendo os últimos tempos e não é por isso que entrarei em escrivaninhas de quem dizem que Jesus Cristo está voltando dizendo que tudo isso é uma tolice. Entretanto, vemos muitos religiosos que entram nas escrivaninhas de autores ateus como Lisandro Hubris dizendo que os ateus e agnósticos são pobres a serviço de Satanás que um dia se arrependerão de não ter aceitado Cristo.

Se você é cristão e não gosta de textos escritos por ateus ou agnósticos, então não se dê ao incômodo de ler seus textos para ficar comentando que esses autores estão errados, têm uma visão superficial da vida e dos mistérios do Universo e precisam ler melhor a Bíblia, até porque muitos são os ateus que têm um profundo conhecimento da Bíblia. Ficar sugerindo a leitura de livros católicos ou protestantes também é falta de semancol. Você gostaria se algum ateu lhe dissesse para ler livros dizendo que Deus não existe? Claro que não.

Um dia, quando eu publiquei meu texto Não faz a menor diferença, no qual eu dizia que a crença ou descrença em Deus não influía no caráter de uma pessoa, fiquei particularmente aborrecida com um autor que disse que havia diferença sim e que um ateu até podia ser decente mas não por causa do ateísmo. Claro que ninguém é decente ou indecente por causa do ateísmo. Crer ou não em Deus é uma questão bastante pessoal e não influi no caráter de ninguém. Qualquer pessoa, observando a realidade, percebe bem que ter uma religião não tornará uma pessoa melhor ou pior do que outra.

Eu também não gostei quando eu publiquei o texto A realidade dos países ateus. Neste texto, falo sobre países como Suécia e Noruega, em que grande parte da população é ateia e mostro como neles a educação é de ótima qualidade, as pessoas estão satisfeitas com suas vidas e inclusive a criminalidade é praticamente inexistente. Então, essa mesma pessoa disse que não podíamos usar a Suécia como exemplo porque ela polui demais. Ora essa, religião não tem nada a ver com poluição. Se assim fosse, países como os Estados Unidos e o Brasil, que são de maioria cristã, não poluiriam e seriam exemplos de desenvolvimento sustentável. Precisamos ser realistas.

O que podemos concluir? Que muitas pessoas, quando entram nas escrivaninhas de quem pensa diferente, não se dão nem mesmo ao trabalho de tentar entender o ponto de vista da pessoa. Talvez nem leiam os seus textos integralmente. Dado o número de comentários descabidos que vemos, é a única conclusão que podemos tomar.

Aliás, muitos autores católicos e evangélicos ainda reclamam que têm visto muita gente fazendo apologia do ateísmo no Recanto. Acontece que somos um Estado laico e o Recanto das Letras(até onde sabemos) é um terreno livre, onde cada um escreve o que quer sobre o que quer.

Eu jamais entraria na escrivaninha de um autor católico contestando as aparições de Nossa Senhora, porque isso seria muita falta de semancol da minha parte.