A arte de dar a luz

Alguém me ajude, por favor: quando uma mulher está parindo, está dando a luz a uma criança, ou está dando à luz uma criança? Quem ganha o quê, a criança ganha luz ou a luz ganha criança?

Eu acredito que dei a luz aos meus filhos. Porque permiti, embora não tivesse mesmo outro jeito, que eles vissem a luz no fim do túnel – bem, na verdade os partos foram cirúrgicos, nada de túnel neste caso – e, estando eu numa sala de parto num hospital, com muita luz, acho que eles (que viveram na penumbra durante nove meses) devem ter-se assustado com a quantidade excessiva de lumens a ofuscar-lhes os olhinhos virgens.

Não dei à luz meus filhos. Dei-os ao dia e à noite, à luz e à escuridão também. Dei-os à vida, e é essa a sua principal característica, a mescla de claro-escuro, doce-azedo, feio-bonito: o jogo de contrastes que a torna interessante. Não fosse assim, e a vida cor-de-rosa – cor pela qual nutro uma antipatia gratuita – seria entediante e enjoativa.

Quando era criança, adorava passear pela casa de olhos fechados. Imaginava-me cega, e caminhava apalpando as paredes e prevendo obstáculos à frente. Às vezes ficava horas de olhos cerrados; era um exercício de compaixão, pois à época considerava a visão o sentido mais importante de todos, e queria me colocar no lugar daqueles que não a possuíam para sentir na pele e nos pés, que davam topadas doloridas nas quinas, o que seria não ver. O que seria viver num mundo sem luz e conseqüentemente sem cor.

Hoje, por conta da inevitável presbiopia que se instalou, preciso de cada vez mais luz para poder ver bem. Ou dos indefectíveis óculos “para leitura”, dos quais nunca imaginei que fosse ficar tão dependente. Na verdade, para letras miúdas preciso de ambos, e assim a luz me é fundamental, tendo inclusive me convencido a desistir da brincadeira de fazer de conta que não vejo. Minha casa tem mais vidros do que consigo limpar e mais luminárias do que devo (por questões econômicas e ecológicas) manter acesas: tudo é um exagero de luz, do sol durante o dia, da concessionária durante a noite, para que eu possa ver bem as cores e seus nuances, seus tons, suas temperaturas.

Mas não pensem que não sei valorizar a penumbra: adoro a luz tênue de um abajur bem colocado e o escuro total, entrecortado apenas pela luminosidade sutil que vem da rua, ao ir dormir. Amo o lusco-fusco das primeiras horas do amanhecer e das últimas do entardecer. Ainda me alegra o escurinho do cinema, me comove a iluminação comedida e dramática de certas igrejas, e me encanta um tête-à-tête à luz de velas. Dar a luz é uma arte que merece atenção e cuidado.