Crônica de uma Quarta-feira de Cinzas

Nos anos que foram de minha infância à juventude passei por alguns sacramentos católicos de praxe, mas nunca fui um praticante fervoroso. Ao contrário, sempre tive uma certa resistência incômoda diante de ambientes e rituais da igreja – aliás, resistência que guardo até hoje em face de qualquer tipo de culto ou ritual no ambiente de qualquer modalidade de igreja, apesar de que o ambiente em alguns cultos de várias religiões é bem agradável.

Assim, confesso, docemente constrangido, que não faço a menor ideia da razão de ser da Quarta-feira de Cinzas. Sei que é o início da Quaresma, porém, em meu imaginário legitimamente tupiniquim, marca, na verdade, o fim do Carnaval. É o bendito dia em que, após o período desde as festas de fim de ano, o Brasil volta a funcionar!

O Carnaval não houve em 2022, por causa da pandemia – o que não me diz nada, porque não suporto Carnaval. Aguardemos que, ao menos, de fato, o país volte a funcionar.

Porém, hoje, particularmente, as cinzas que tenho em mente são aquelas que pairam nos ares da Europa Oriental fruto de destruições provocadas por uma “nova guerra”. Estou, sim, consternado e procurando Deus em minhas preces. Vá lá! Não sou religioso, mas creio em Deus firmemente!

Bombardeios, também, há de informação, mas temos acesso à versão do Ocidente e, como em qualquer disputa, não é sadio crer piamente na palavra de um lado só. Lembro da invasão dos EUA ao Iraque, no início dos anos 1990, em busca de armas de destruição em massa que jamais existiram.

O mundo era outro, naquela época. A novidade era que a guerra estava sendo transmitida ao vivo pela CNN e sentíamos intensamente que o planeta estava, enfim, globalizado, já que podíamos ver, enquanto jantávamos, aquelas imagens noturnas do outro lado do mundo de bombas caindo e iluminando o horizonte. Não lembro que tivesse havido, como deveria ser, comoção pelo povo iraquiano, como, agora, pelo povo ucraniano.

Como eu disse, é difícil crer na versão de um lado só em meio a uma disputa, mas nos venderam que aquilo era “bom e justificável” – mesmo não sendo! Vejo com reservas as versões do que seja justificável ou não, nessa guerra da vez.

Com a chegada da Internet na vida cotidiana dos seres humanos, tudo se transformou e a globalização estreitou o mundo consideravelmente. Pelas redes sociais, qualquer indivíduo pode ser o repórter, o comentarista, o locutor, a vítima, o algoz, o juiz ou o carrasco. Um é fonte de versões da realidade para todos e todos geram uma profusão de versões da realidade para um – Um por todos e todos por um e nada a ver com o lema dos Três Mosqueteiros.

O ser humano, realmente, é pródigo – e nas últimas décadas, mais do que nunca – em avançar em conhecimento tecnológico e “facilidades” de aplicativos e utensílios que, no meu tempo de criança, eram coisa de ficção científica. Tanto conhecimento e, ao mesmo tempo, tão pouca sabedoria. Descobrem-se vacinas tão lentamente, mas aperfeiçoam-se armas de maneira cumpulsiva.

O mundo mudou, as guerras mudaram, nós mudamos, mas “a globalização que diminui o planeta não amplia a comiseração humana”, como li hoje na conclusão de uma crônica de Roberto DaMatta publicada no Estadão.

É Quarta-feira de Cinzas, terminou o Carnaval que não houve, o Brasil jura que vai voltar a funcionar e a vileza da raça humana está ressuscitando a “Guerra Fria” que vem revigorada.

Estou Putin da vida!